São Paulo, quarta, 20 de agosto de 1997.



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LIVRO LANÇAMENTO
Mãe faz biografia 'que não podia' de Cazuza

especial para a Folha

Lucinha Araujo, mãe de Agenor de Miranda, o Cazuza, com a ajuda da jornalista e escritora Regina Echeverria ("Furacão Elis"), publica "Cazuza - Só as Mães São Felizes", livro que une entrevistas do filho, depoimentos de amigos e dos pais.
Não deve ter sido nada fácil ser mãe de Cazuza, boêmio perdulário de humor instável. Também não deve ter sido fácil ser mãe de um famoso portador do vírus da Aids, quando pouco se sabia da doença: os pais de Cazuza chegaram a ouvir de um médico americano que deveriam evitar beijar o filho.
Para expor seus dramas e comédias, Araujo escreveu uma explícita declaração de amor ao filho, morto em 1990, num misto de de desabafo e registro histórico.
Cazuza, pilar do rock dos 80, teve músicas cantadas por Gal Costa e Ney Matogrosso -com quem teve um caso amoroso, segundo depoimento do próprio, no livro- e embalou as noites cariocas com se sexo, drogas e rock.
Toda a renda do livro será doada à Sociedade Viva Cazuza, fundada há sete anos pela mãe e que abriga crianças portadoras do vírus HIV. Por telefone, do Rio, Lucinha Araujo falou à Folha.

Folha - Como era viver com um filho que não parava quieto?
Lucinha Araujo -
Ele me fazia de gato e sapato. Mas tinha de ser assim, sou muito mandona. Um filho deve aprender com a mãe. No meu caso, aprendi quase tudo com meu filho. Ele queria viver mil anos em dez. Teve tudo que escolheu. Tinha muita coisa pra dar pro Brasil.
Folha - Foi difícil escrever o livro?
Araujo -
O livro é triste e alegre, como Cazuza. Na minha ignorância, demorei para conhecer meu filho. No dia em que ele morreu, eu achava que não iria conseguir viver sem ele. Foi então que me falaram para escrever o livro.
Folha - O livro é uma espécie de exorcismo?
Araujo -
Passei a limpo minha vida com ele. Não é uma biografia. Mãe não pode escrever sobre o filho.
Folha - Como era lidar com uma doença que ninguém conhecia? Araujo - Aprendi tudo sobre ela. Sabia mais que muitos médicos. Não fui contaminada, mas contagiada. A doença chega perto de nós a cada dia. Sei e sempre soube o que pega e o que não pega.
Folha - Por que o primeiro teste dele (em 1985) deu negativo?
Araujo -
Ele teve febre às vésperas de um show. Foi ele que pediu ao médico para fazer o teste. Os testes, então, eram muito falhos. Ele dizia que não era promíscuo.
Folha - Você acha que ele se contaminou em San Francisco (EUA), onde morou antes da fama?
Araujo -
Acho que sim. Foi lá que começou tudo. Ele deve ter encubado a doença durante anos. Folha - Como vocês reagiram quando ele declarou publicamente que tinha o vírus?
Araujo -
Foi um alívio. Ele estava doido para falar, nós não deixávamos. Foi uma surpresa, as pessoas foram amáveis em excesso.
Folha - Você acha que as pessoas famosas portadoras do vírus deve riam se abrir?
Araujo -
É um peso que se tira. É como pedir ajuda aos amigos. Mas, para algumas pessoas, como artistas globais, não sei se adianta.
Folha - Como nasceu a idéia da Sociedade Viva Cazuza?
Araujo -
Alguns meses depois de sua morte, houve o show "Viva Cazuza", e me deram o cheque da renda para ser doado a uma instituição ligada à Aids. Eu não queria saber disso. Mas quando cheguei no Hospital Gaffrée e Guinle com o dinheiro, eles pediram para eu trabalhar com eles. Vi aí o videoteipe do que tinha vivido. Os doentes ficavam iguais ao meu filho.
Folha - Por isso você decidiu cuidar de crianças portadoras?
Araujo -
O dinheiro era do meu filho, dos direitos autorais de suas músicas. Pensei numa casa de apoio que, hoje, é referência no Brasil. São 33 crianças morando e estudando. Sou maluca, tudo bem. (MARCELO RUBENS PAIVA)


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