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São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2003

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ANÁLISE

"Mulheres" flerta com prestação de serviço

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A agonia não termina. Em "Mulheres Apaixonadas" (Globo), Fernanda (Vanessa Gerbelli), gravemente ferida, acompanha a ansiedade do público, que torce por ela.
A sobrevida da personagem, atingida por um desses acasos que hoje em dia povoam as páginas dos cadernos de cotidiano dos jornais, demonstra que a novela se ancora em "ganchos" com o universo do noticiário.
Espécie de versão brasileira do docudrama inglês, a novela se diferencia por seu caráter de folhetim. O fato de ser escrita enquanto está no ar garante ao gênero um apelo de "intervenção" imediata, saudada no jornalismo e no documentário contemporâneo.
Vejamos como funcionam os mecanismos que relacionam a ficção e a notícia gerando uma rede que conecta o público e os fazedores da história. A notícia de que Fernanda sofreria um acidente fatal, atingida por uma bala perdida, antecipada com outros desdobramentos da trama, repercutiu dentro e fora da história.
No universo ficcional, as terríveis visões da menina Salete anunciavam a tragédia maior que pode ocorrer a uma criança desprovida de recursos financeiros, filha de mãe solteira e neta de uma megera. Fora da narrativa o acidente galvanizou a imprensa e foi assunto de comentários em outros programas de TV.
A perspectiva da análise varia de acordo com o meio. O aumento conjuntural da violência nas novelas, tradicionais barômetros da pressão social, mereceu atenção na imprensa escrita.
A TV preferiu o depoimento emocionado das atrizes que vivem mãe e filha e a ilustrativa interação das duas com o autor-criador, presença virtual no telão do "Domingão do Faustão".
Essas referências diversas, internas e externas à narrativa, alimentaram a torcida que cresce como uma bola de neve. Índices de audiência, cartas, e-mails e pesquisas de opinião estimularam o elenco, em especial as atrizes envolvidas. Sintonizado, Manoel Carlos, o condutor do drama coletivo, adiou a tragédia por várias semanas.
O acidente finalmente aconteceu no último sábado. Mas a fatalidade ainda não está dada. A possibilidade, ainda que remota, de reverter a sorte de Fernanda segue mobilizando telespectadores. Suas esperanças são alimentadas por sinais em cada capítulo. Salete em um de seus transes de menina sensível questiona o anjo que lhe traz premonições.
Como na recente "O Clone", "Mulheres Apaixonadas" flerta com a prestação de serviço, espécie de auto-ajuda coletiva. Uma interlocução múltipla define o ritmo e o rumo de uma temporalidade flexível, capaz de se alongar ou se precipitar, conforme a intensidade da corrente que se forma. A alquimia complexa lida com alguma dose de indeterminação. Com tudo isso, o coma continua.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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