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ANÁLISE
"Mulheres" flerta com prestação de serviço
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A agonia não termina. Em
"Mulheres Apaixonadas"
(Globo), Fernanda (Vanessa Gerbelli), gravemente ferida, acompanha a ansiedade do público,
que torce por ela.
A sobrevida da personagem,
atingida por um desses acasos que
hoje em dia povoam as páginas
dos cadernos de cotidiano dos
jornais, demonstra que a novela
se ancora em "ganchos" com o
universo do noticiário.
Espécie de versão brasileira do
docudrama inglês, a novela se diferencia por seu caráter de folhetim. O fato de ser escrita enquanto
está no ar garante ao gênero um
apelo de "intervenção" imediata,
saudada no jornalismo e no documentário contemporâneo.
Vejamos como funcionam os
mecanismos que relacionam a ficção e a notícia gerando uma rede
que conecta o público e os fazedores da história. A notícia de que
Fernanda sofreria um acidente fatal, atingida por uma bala perdida, antecipada com outros desdobramentos da trama, repercutiu
dentro e fora da história.
No universo ficcional, as terríveis visões da menina Salete
anunciavam a tragédia maior que
pode ocorrer a uma criança desprovida de recursos financeiros,
filha de mãe solteira e neta de uma
megera. Fora da narrativa o acidente galvanizou a imprensa e foi
assunto de comentários em outros programas de TV.
A perspectiva da análise varia de
acordo com o meio. O aumento
conjuntural da violência nas novelas, tradicionais barômetros da
pressão social, mereceu atenção
na imprensa escrita.
A TV preferiu o depoimento
emocionado das atrizes que vivem mãe e filha e a ilustrativa interação das duas com o autor-criador, presença virtual no telão
do "Domingão do Faustão".
Essas referências diversas, internas e externas à narrativa, alimentaram a torcida que cresce como
uma bola de neve. Índices de audiência, cartas, e-mails e pesquisas de opinião estimularam o
elenco, em especial as atrizes envolvidas. Sintonizado, Manoel
Carlos, o condutor do drama coletivo, adiou a tragédia por várias
semanas.
O acidente finalmente aconteceu no último sábado. Mas a fatalidade ainda não está dada. A possibilidade, ainda que remota, de
reverter a sorte de Fernanda segue
mobilizando telespectadores.
Suas esperanças são alimentadas
por sinais em cada capítulo. Salete
em um de seus transes de menina
sensível questiona o anjo que lhe
traz premonições.
Como na recente "O Clone",
"Mulheres Apaixonadas" flerta
com a prestação de serviço, espécie de auto-ajuda coletiva. Uma
interlocução múltipla define o ritmo e o rumo de uma temporalidade flexível, capaz de se alongar
ou se precipitar, conforme a intensidade da corrente que se forma. A alquimia complexa lida
com alguma dose de indeterminação. Com tudo isso, o coma
continua.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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