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"O teatro é para poucos", afirma diretor inglês
DA REPORTAGEM LOCAL
Não é apenas no Brasil que Peter Brook deixa de acompanhar
um de seus espetáculos. Em duas
semanas, "O Traje" será encenado em Berlim, e o diretor também
não estará presente. "O período
de ensaios é muito intenso, não
posso me ausentar", diz Brook
por telefone.
Durante meia hora, ele contou
suas experiências com o teatro e
fez uma interessante comparação
para explicar por que abre mão de
novas tecnologias na encenação:
"É como na cama: aparatos podem criar momentos incríveis,
mas eles não são essenciais e, às
vezes, são até tediosos". Leia a seguir trechos da entrevista.
(FCy)
Folha - A peça que o sr. apresenta
no Brasil, "O Traje", fala sobre a vida em guetos da África do Sul. O senhor visitou guetos lá, como foi sua
experiência?
Peter Brook - Já estive muitas vezes na África do Sul e tenho um ciclo de peças sobre esse país. Acho
que a vida lá não é muito diferente
da que vi no Brasil, quando passei
por aí há 20 anos. "O Traje", em
específico, trata de questões domésticas entre marido e mulher,
sobre a relação homem-mulher.
Folha - Em seu livro "A Porta
Aberta", o sr. diz que o mais importante no teatro é a faísca, que é ela
que traz o novo em uma encenação. Como o senhor consegue realizá-la?
Brook- O fundamental é o processo de criação com os atores. É
por meio dessa relação que se traz
o fundamental no teatro.
Folha - E como é esse processo? O
sr. utiliza improvisações?
Brook - É importante saber que,
quando as pessoas querem ser
atletas e ir para os Jogos Olímpicos, elas precisam desenvolver
músculos em seus corpos; quando alguém estuda para ser um escritor, ele não perde tempo sentado em frente ao seu computador,
pois cada célula de seu corpo está
trabalhando; quando alguém
quer ser músico, é outra parte que
deve ser desenvolvida.
Um ator deve ter todas essas
qualidades ao mesmo tempo.
Há uma confusão, atualmente,
porque se pensa que apenas exercitar o corpo seja suficiente. Trabalhar o corpo é importante, mas
é apenas o começo. Depois disso,
o ator deve trabalhar outros lados,
ele deve ser inteligente, não pode
ser estúpido, o que não significa
que deva ser brilhante, mas é um
outro tipo de inteligência. Ele deve ser muito sensível, e falo de
uma sensibilidade diferente da do
jogador de futebol.
Por isso não posso falar apenas
da improvisação; há centenas de
processos diferentes que devem
acontecer simultaneamente. Não
posso lhe dar uma simples resposta, porque a criação demanda
muitos elementos.
Folha - Sua autobiografia, "Fios
do Tempo", foi lançada recentemente no Brasil e é um texto diferente das biografias tradicionais.
Brook - Eu escrevi porque fui
convidado; em verdade não queria fazer, mas fui convencido.
Desde o início, meu objetivo não
era contar sobre tudo em minha
vida, mas tentar encontrar diferentes visões que se encaixassem.
Folha - A maioria de seus livros foi
publicada aqui, e o sr. tem grande
influência sobre dramaturgos brasileiros, o senhor sabia?
Brook - Eu já estive no Brasil para divulgar o filme "Encontro
com Homens Notáveis", de 1979.
Passei por São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Tive ótimos encontros com gente de teatro, mas,
infelizmente, desde então não
voltei. Acabo de começar a ensaiar "Hamlet", e isso é a única
coisa que me impede de voltar ao
Brasil. Senão eu iria. Várias vezes
fui convidado, mas nunca deu
certo. Meu desejo de voltar é muito grande. Estou muito decepcionado agora porque "O Traje" estava em negociações para ser
apresentado em São Paulo, mas
parece que ele não é espetacular o
suficiente para a cidade.
Folha - E como é trabalhar novamente com Shakespeare?
Brook - Bem, eu acho que já escrevi isso, o grande feito heróico
em dramaturgia é Shakespeare.
Nossa obrigação no trabalho hoje
é tentar fazer algo novo. Como
sempre reconheço que não consigo fazer algo tão bom como ele, a
ele retorno regularmente. É muito
interessante perceber o quanto é
possível ser feito ao traduzir Shakespeare. Para um inglês, voltar à
língua em suas origens é um grande prazer, e estou muito feliz por
poder realizar "Hamlet" agora.
Folha - E o elenco?
Brook - É uma produção que não
poderia acontecer na Inglaterra
ou na América, porque uso um
elenco internacional. De certa forma, "O Traje" é uma exceção,
porque a mistura de raças é comum em meu trabalho e será
continuada em "Hamlet". A razão
de isso não ocorrer em "O Traje" é
o respeito pelas pessoas que muito recentemente viveram essas situações, e por isso ela deve ser representada próxima do original.
Folha - De quanto tempo o sr. precisa para criar uma peça?
Brook - Isso é muito relativo. Há
peças nas quais trabalho muito
tempo, faço muita pesquisa. Mas
o tempo de ensaio é sempre três
meses, pois é um período que precisa de concentração. Se for muito
curto, é ruim, mas, se for muito
longo, também é ruim. Jamais ensaiaria algo por mais de um ano.
Folha - Qual é sua visão sobre o
papel do teatro hoje?
Brook - O que posso dizer é que o
inevitável, em todo o mundo, é o
desenvolvimento de grandes
eventos comerciais, e não há razão em criticá-los: eles existem.
Em alguns lugares, há uma minoria de pessoas que precisam de
algo diferente, algo mais humano,
que só pode ocorrer numa escala
menor. E, então, teatro será sempre para um percentual pequeno
de pessoas. Isso não o torna elitista, apenas faz algo que está lá para
gente que realmente tem interesse. Por isso o teatro deve estar conectado com os desejos das pessoas em suas vidas, e não há como
forçar isso artificialmente.
O que devo dizer é que tudo o
que se possa fazer para encorajar
políticos e burocratas a investir no
teatro é bom, pois há sempre sofredores de teatro que precisam
de patrocínio.
Folha - A tecnologia no teatro é
importante para o sr.?
Brook - Não gosto de ser genérico, mas, para mim, não é importante, pois o que me interessa no
palco não são efeitos espetaculares, mas o que acontece entre as
pessoas. Meu interesse é eliminar
tudo que tire a atenção dos espectadores sobre os atores. Mas é
meu caso.
Nada deve ser excluído do teatro: quanto mais diversificado,
mais saudável ele é.
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