São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"O teatro é para poucos", afirma diretor inglês

DA REPORTAGEM LOCAL

Não é apenas no Brasil que Peter Brook deixa de acompanhar um de seus espetáculos. Em duas semanas, "O Traje" será encenado em Berlim, e o diretor também não estará presente. "O período de ensaios é muito intenso, não posso me ausentar", diz Brook por telefone.
Durante meia hora, ele contou suas experiências com o teatro e fez uma interessante comparação para explicar por que abre mão de novas tecnologias na encenação: "É como na cama: aparatos podem criar momentos incríveis, mas eles não são essenciais e, às vezes, são até tediosos". Leia a seguir trechos da entrevista. (FCy)

Folha - A peça que o sr. apresenta no Brasil, "O Traje", fala sobre a vida em guetos da África do Sul. O senhor visitou guetos lá, como foi sua experiência?
Peter Brook -
Já estive muitas vezes na África do Sul e tenho um ciclo de peças sobre esse país. Acho que a vida lá não é muito diferente da que vi no Brasil, quando passei por aí há 20 anos. "O Traje", em específico, trata de questões domésticas entre marido e mulher, sobre a relação homem-mulher.

Folha - Em seu livro "A Porta Aberta", o sr. diz que o mais importante no teatro é a faísca, que é ela que traz o novo em uma encenação. Como o senhor consegue realizá-la?
Brook-
O fundamental é o processo de criação com os atores. É por meio dessa relação que se traz o fundamental no teatro.

Folha - E como é esse processo? O sr. utiliza improvisações?
Brook -
É importante saber que, quando as pessoas querem ser atletas e ir para os Jogos Olímpicos, elas precisam desenvolver músculos em seus corpos; quando alguém estuda para ser um escritor, ele não perde tempo sentado em frente ao seu computador, pois cada célula de seu corpo está trabalhando; quando alguém quer ser músico, é outra parte que deve ser desenvolvida.
Um ator deve ter todas essas qualidades ao mesmo tempo.
Há uma confusão, atualmente, porque se pensa que apenas exercitar o corpo seja suficiente. Trabalhar o corpo é importante, mas é apenas o começo. Depois disso, o ator deve trabalhar outros lados, ele deve ser inteligente, não pode ser estúpido, o que não significa que deva ser brilhante, mas é um outro tipo de inteligência. Ele deve ser muito sensível, e falo de uma sensibilidade diferente da do jogador de futebol.
Por isso não posso falar apenas da improvisação; há centenas de processos diferentes que devem acontecer simultaneamente. Não posso lhe dar uma simples resposta, porque a criação demanda muitos elementos.

Folha - Sua autobiografia, "Fios do Tempo", foi lançada recentemente no Brasil e é um texto diferente das biografias tradicionais.
Brook -
Eu escrevi porque fui convidado; em verdade não queria fazer, mas fui convencido. Desde o início, meu objetivo não era contar sobre tudo em minha vida, mas tentar encontrar diferentes visões que se encaixassem.

Folha - A maioria de seus livros foi publicada aqui, e o sr. tem grande influência sobre dramaturgos brasileiros, o senhor sabia?
Brook -
Eu já estive no Brasil para divulgar o filme "Encontro com Homens Notáveis", de 1979. Passei por São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Tive ótimos encontros com gente de teatro, mas, infelizmente, desde então não voltei. Acabo de começar a ensaiar "Hamlet", e isso é a única coisa que me impede de voltar ao Brasil. Senão eu iria. Várias vezes fui convidado, mas nunca deu certo. Meu desejo de voltar é muito grande. Estou muito decepcionado agora porque "O Traje" estava em negociações para ser apresentado em São Paulo, mas parece que ele não é espetacular o suficiente para a cidade.

Folha - E como é trabalhar novamente com Shakespeare?
Brook -
Bem, eu acho que já escrevi isso, o grande feito heróico em dramaturgia é Shakespeare. Nossa obrigação no trabalho hoje é tentar fazer algo novo. Como sempre reconheço que não consigo fazer algo tão bom como ele, a ele retorno regularmente. É muito interessante perceber o quanto é possível ser feito ao traduzir Shakespeare. Para um inglês, voltar à língua em suas origens é um grande prazer, e estou muito feliz por poder realizar "Hamlet" agora.

Folha - E o elenco?
Brook -
É uma produção que não poderia acontecer na Inglaterra ou na América, porque uso um elenco internacional. De certa forma, "O Traje" é uma exceção, porque a mistura de raças é comum em meu trabalho e será continuada em "Hamlet". A razão de isso não ocorrer em "O Traje" é o respeito pelas pessoas que muito recentemente viveram essas situações, e por isso ela deve ser representada próxima do original.

Folha - De quanto tempo o sr. precisa para criar uma peça?
Brook -
Isso é muito relativo. Há peças nas quais trabalho muito tempo, faço muita pesquisa. Mas o tempo de ensaio é sempre três meses, pois é um período que precisa de concentração. Se for muito curto, é ruim, mas, se for muito longo, também é ruim. Jamais ensaiaria algo por mais de um ano.

Folha - Qual é sua visão sobre o papel do teatro hoje?
Brook -
O que posso dizer é que o inevitável, em todo o mundo, é o desenvolvimento de grandes eventos comerciais, e não há razão em criticá-los: eles existem.
Em alguns lugares, há uma minoria de pessoas que precisam de algo diferente, algo mais humano, que só pode ocorrer numa escala menor. E, então, teatro será sempre para um percentual pequeno de pessoas. Isso não o torna elitista, apenas faz algo que está lá para gente que realmente tem interesse. Por isso o teatro deve estar conectado com os desejos das pessoas em suas vidas, e não há como forçar isso artificialmente.
O que devo dizer é que tudo o que se possa fazer para encorajar políticos e burocratas a investir no teatro é bom, pois há sempre sofredores de teatro que precisam de patrocínio.

Folha - A tecnologia no teatro é importante para o sr.?
Brook -
Não gosto de ser genérico, mas, para mim, não é importante, pois o que me interessa no palco não são efeitos espetaculares, mas o que acontece entre as pessoas. Meu interesse é eliminar tudo que tire a atenção dos espectadores sobre os atores. Mas é meu caso.
Nada deve ser excluído do teatro: quanto mais diversificado, mais saudável ele é.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.