São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

De filho para pai

Filho de Glauber Rocha faz registro da estada do pai em Cuba nos anos 70

Divulgação
Glauber Rocha, em foto feita em Havana, onde o cineasta viveu por um ano durante a década de 70


Documentário "Rocha que Voa" entra em cartaz hoje em São Paulo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Houve um tempo -de meados dos anos 60 a meados dos 70- em que os mais importantes cineastas da América Latina acreditavam na união dos povos do continente contra o imperialismo norte-americano. Mais que isso: eles viam o cinema como um instrumento privilegiado dessa união revolucionária.
O documentário "Rocha que Voa", que entra hoje em cartaz, trata justamente desse momento de convulsão e de seu principal pensador e agitador, Glauber Rocha (1939-81), cineasta baiano e cidadão do Terceiro Mundo.
"Não é um filme sobre Glauber, mas através de Glauber", define o diretor do documentário, Eryk Rocha, 24, filho mais novo do criador de "Deus e o Diabo na Terra do Sol".
Eryk tinha três anos quando o pai morreu. Fascinado por Cuba e por cinema desde a infância, acabou indo estudar na célebre escola de cinema de San Antonio de los Baños, entre 1997 e 1999.
Na ilha de Fidel Castro, Eryk rastreou a temporada passada ali por seu pai, entre novembro de 1971 e dezembro de 1972. O documentário é o resultado dessa busca, em que Eryk recuperou entrevistas do próprio Glauber e ouviu pessoas que conviveram com ele em Havana.
A partir desses depoimentos, constata-se que a passagem de Glauber Rocha pela ilha foi uma verdadeira revolução dentro da revolução, tendo deixado marcas profundas nos "habaneros".
No auge de suas inquietações estéticas e políticas, o cineasta baiano filmou, agitou e polemizou como nunca em Cuba.
"As pessoas aqui no Brasil sabem pouco sobre essa passagem", diz Eryk. "Por meio da pesquisa, cheguei a outros temas que me interessavam: as buscas ideológicas daquela geração, a idéia de Havana como uma cidade parada no tempo etc."
Junto com seus colegas de curso Bruno Vasconcelos (brasileiro que colaborou na pesquisa e no roteiro) e Miguel Vassilskis (uruguaio que fez a direção de fotografia e câmera), Eryk compôs um painel multifacetado desses assuntos, tendo como fio condutor o áudio de três grandes entrevistas de Glauber, nas quais o cineasta, num delicioso portunhol com sotaque baiano, expõe suas idéias sobre arte e revolução.
Os depoimentos de Glauber e dos outros combinam-se com imagens documentais de Cuba, cinejornais, trechos de filmes de Glauber e de outros diretores etc.
"Eu quis criar uma ponte entre o imaginário da época e a atualidade ", diz Eryk Rocha. Vários formatos e texturas (vídeo, 16mm, 35mm, preto-e-branco, cor saturada) se misturam no filme, que Eryk define como "uma sinfonia sensorial e poética".
Segundo o diretor, "Rocha que Voa" estrutura-se em três grandes dimensões sobrepostas: a política, o sonho e o amor (centrado no depoimento da namorada cubana de Glauber, Teresa Sopeña).
"As diversas texturas da imagem estão ali para traduzir os diversos níveis de memória: a minha memória afetiva, a memória cinematográfica, a memória coletiva latino-americana etc."
Segundo o diretor, sua intenção não foi a de filmar o passado, mas sim fertilizar as discussões atuais sobre arte e vida. Em sua última fala no filme, Glauber diz: "Não quero saber do passado. Estou brincando com esta criança e pensando no presente e no futuro". A criança era Eryk Rocha.


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