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CARLOS HEITOR CONY
Lula, Serra, Ciro e Garotinho no "Big Brother"
Alguns leitores ficaram chocados com o tédio que venho demonstrando para com a
atual sucessão presidencial. Cheguei mesmo, em crônica publicada na página 2, no dia seguinte ao debate que teve Boris Casoy como mediador, a sugerir um
""reality show", tão em moda, tipo "Big Brother" e "Casa dos Artistas", substituindo as apresentações a que estamos assistindo -ou melhor, a que vocês estão assistindo, pois me faltam tempo e interesse para isso.
A idéia, que ofereço de graça aos candidatos, à Justiça Eleitoral e às emissoras, era juntar os quatro postulantes numa casa, trancá-los durante uma semana, sem empregados e sem contato com o mundo exterior, tal como os cardeais quando vão eleger o novo papa e ficam trancafiados no conclave, do qual só podem sair quando um deles é eleito e o cardeal-carmelengo pode anunciar,
do alto da sacada da basílica de
São Pedro: ""Habemus papam".
Seria bom ver, ao longo de uma
semana, como Lula, Serra, Ciro e
Garotinho se virariam. Um deles
teria de varrer a casa, outro de ir
para a cozinha tratar do rancho,
outro de atender o telefone, outro
de lavar a louça e de arrumar as
camas. E todos obrigados a viverem juntos, a brigarem, a se reconciliarem, a torcerem pelo Brasil no caso de haver jogo da seleção no período, a rezarem ou não
rezarem antes de dormir, a lavarem a própria roupa, enfim, a serem como são e não como são
produzidos pelos marqueteiros
durante a campanha e por si mesmos durante a vida pública que
tiveram ou que ainda pretendem
ter.
Somente assim os eleitores poderão saber como realmente são,
qual o mais cordato, o mais educado, o mais disciplinado, o mais
sincero, o mais saudável, enfim,
qual o melhor. Do jeito que eles se
vendem ou que estão sendo vendidos pelos marqueteiros e assessores especiais, são abstrações
fantasmagóricas, belas e fagueiras, ou monstros de solérica e trevas, tal como se acusam mutuamente.
Digo isso porque, em eleições
passadas, trabalhando numa revista semanal, fui encarregado de
cobrir um dia inteiro de campanha de cada candidato à presidência daquele ano. Evidente que
fui bem tratado e que tratei bem
todos eles, dizendo claramente
que ali estava, ao lado deles, levantando a bola para que cortassem e fizessem pontos.
Contando o milagre sem revelar
o santo, fiquei pasmo com a mobilidade física, mental e espiritual
dos candidatos. Um deles dispunha de excelente estrutura eleitoral, um ônibus enorme, com banheiros, cozinha, ar refrigerado,
sala de reuniões, equipamento de
vídeo e pequeno estúdio para produção de entrevistas.
Digamos que, em determinado
período daquele dia, a comitiva
foi à cidade A, fez o que tinha de
fazer e depois seguiu para a cidade B, distante meia hora da primeira. Quando voltamos para o
ônibus, que nem o Batman teria
melhor e mais eficiente, folgamos
com o ar refrigerado e os refrescos
que nos esperavam, pois fazia um
calor de dar insolação ao próprio
demônio.
Logo após, uma equipe de assessores desabou sobre o candidato.
Na tela do estúdio passou um vídeo sobre a cidade que seria visitada, dados sobre população, superfície, história do município,
vultos ilustres que ali nasceram
ou viveram, produção agrária ou
industrial etc. etc.
Por acaso, na cidade a ser visitada, existia uma freirinha que
vivia em cheiro de santidade,
uma espécie de frei Damião ou de
irmã Zélia, mas guardada ferozmente pela população local, receosa de que o lugar se transformasse em lugar de peregrinação e
que virasse bagunça, como a Juazeiro do padre Cícero. Era um patrimônio guardado com avareza
por todos.
O candidato, aliás ninguém da
comitiva, tinha ouvido falar daquela santa, mas, dias antes, um
escalão avançado havia desencavado a freirinha e constatado a
importância dela para os eleitores
daquele pedaço.
Vi o candidato desembarcar do
ônibus com os olhos vidrados, em
êxtase espiritual. Assomou o palanque armado na praça principal diante de um povo mais ou
menos indiferente. Ele estava em
último lugar nas pesquisas daquela zona eleitoral.
Com voz sombria, como se confessasse um pecado hediondo do
qual se penitenciasse publicamente, o candidato começou sua
arenga: "Meus amigos, eu não
podia continuar a minha campanha sem antes vir aqui, a esta gloriosa cidade, pedir a bênção e os
conselhos da nossa freirinha, de
cuja santidade sou devoto desde
criancinha. Ela me tem guiado e
inspirado ao longo da vida. Aqui
estou como um peregrino à porta
do templo, não vim pedir votos, mas a bênção sem a qual não poderei ajudar a Nação a construir um futuro de paz, esperança e justiça social para todos vocês".
O povo, como nos romances de capa-e-espada, estrugiu de entusiasmo. O candidato foi arrastado a uma capelinha, ao fundo da qual viviam meia dúzia de religiosas, entre as quais a extraordinária freirinha, que recebeu o inesperado devoto sem saber de quem se tratava. Deu-lhe a bênção rotineira, prometendo-lhe
saúde e paz doméstica. Apesar de não ter sido eleito, o candidato teve 98% dos votos daquela cidade. E meses depois teve pneumonia e uma crise conjugal que quase acabou em divórcio.
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