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São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2003

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biblioteca FOLHA

Romance sobre jovem hindu à procura da iluminação, escrito por Hermann Hesse, é o lançamento de amanhã

Realização pessoal é a busca em "Sidarta"

GUILHERME WERNECK
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1911, o poeta e romancista alemão Hermann Hesse (1877-1962), prêmio Nobel de literatura de 1946, foi conhecer a Índia, país cuja cultura era objeto de estudo de seu avô materno, Herman Gundert. Lá, aprofundou seu interesse por religiões orientais, principalmente o hinduísmo e o budismo.
"Sidarta", seu segundo grande romance, publicado 11 anos após essa viagem, em 1922, é resultado desses estudos.
Hesse inspira-se na história de Sidarta Gautama -príncipe que nasceu no século 6 a.C., na região onde hoje é o Nepal, e renunciou à vida luxuosa para se tornar o primeiro Buda- para criar um outro Sidarta, também de origem nobre (brâmane), que abdica de sua riqueza para buscar conhecimento e iluminação.
Mas na gênese de "Sidarta", o livro, há mais do que a questão religiosa. Embora esse seja um tema caro para Hesse -um filho de missionário protestante, educado para se tornar pastor, mas que se rebelou e interrompeu seus estudos-, a idéia que inquieta o escritor é a da realização pessoal.
Esse tema aparecerá diversas vezes em sua obra, mais notadamente em "O Lobo da Estepe" (1927), em que o personagem principal atravessa uma crise e tem de se decidir por uma vida de ação ou de contemplação.
É possível especular que tanto o orientalismo quanto essa noção da busca do prazer pessoal estejam relacionadas às próprias experiências de autoconhecimento do escritor, que durante boa parte da década de 10 do século passado fazia terapia com J.B. Lang, discípulo de Carl Gustav Jung (1875-1961). E que, durante todo o ano de 1921, enquanto escrevia "Sidarta", tinha sessões de terapia com o próprio Jung, também ele um estudioso da cultura oriental.
Hesse estrutura a trajetória de Sidarta pela sede de conhecimento, acompanhando sua vida desde a infância, como membro da mais alta casta hindu, até a velhice, quando tem sua experiência final de iluminação.
O jovem Sidarta é um estudioso do hinduísmo, preocupado com o ascetismo, com a filosofia e com a meditação. Sua meditação o leva a deixar a casa dos pais para viver uma vida religiosa com os "samanas", ascetas peregrinos que vivem na selva, mendigando e jejuando, em busca da verdade. Após anos vivendo com os "samanas", ele conhece o buda Gotama e resolve deixar os ascetas. Contudo percebe que não consegue seguir nenhuma doutrina, nem mesmo a do buda, e decide procurar em si mesmo a verdade.
Deixando de lado a vida religiosa, Sidarta é tentado pelo amor. Abandona a vida espiritual para mergulhar em experiências mais mundanas, entregando-se ao sexo, aos negócios, ao vinho, à comida e ao jogo.
Mas, da mesma forma que não se encontra no ascetismo, não se encontra na dissipação. Maduro, resolve voltar a se isolar e aí tem a iluminação de que não existem caminhos diferentes para o bem e o mal, mas que os dois coexistem num mesmo tempo.
Essa história sedutora, que impele tanto à ação quanto à reflexão, tornou-se ela mesma um ícone da cultura jovem após os anos 50, quando sua tradução foi lançada nos Estados Unidos.
De pronto, as idéias de Hesse em "Sidarta" foram acolhidas pela nascente contracultura do pós-guerra. Para a geração beat, sobretudo para seus principais expoentes -Jack Kerouac (1922-1969) e Allen Ginsberg (1926-1997)-, "Sidarta" se torna um livro essencial, ao lado dos estudos de filosofia oriental de Aldous Huxley (1894-1963).
Pela mão dos beats, Hesse contamina a geração seguinte, e o livro se torna referência básica para os hippies dos anos 60 e 70.
E é assim que "Sidarta" sobrevive ao tempo e ganha novos leitores, tendo sua filosofia chancelada pelo pop e se equilibrando na própria dualidade que propõe.


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