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biblioteca FOLHA
Romance sobre jovem hindu à procura da iluminação, escrito por Hermann Hesse, é o lançamento de amanhã
Realização pessoal é a busca em "Sidarta"
GUILHERME WERNECK
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 1911, o poeta e romancista
alemão Hermann Hesse (1877-1962), prêmio Nobel de literatura
de 1946, foi conhecer a Índia, país
cuja cultura era objeto de estudo
de seu avô materno, Herman
Gundert. Lá, aprofundou seu interesse por religiões orientais,
principalmente o hinduísmo e o
budismo.
"Sidarta", seu segundo grande
romance, publicado 11 anos após
essa viagem, em 1922, é resultado
desses estudos.
Hesse inspira-se na história de
Sidarta Gautama -príncipe que
nasceu no século 6 a.C., na região
onde hoje é o Nepal, e renunciou à
vida luxuosa para se tornar o primeiro Buda- para criar um outro Sidarta, também de origem
nobre (brâmane), que abdica de
sua riqueza para buscar conhecimento e iluminação.
Mas na gênese de "Sidarta", o livro, há mais do que a questão religiosa. Embora esse seja um tema
caro para Hesse -um filho de
missionário protestante, educado
para se tornar pastor, mas que se
rebelou e interrompeu seus estudos-, a idéia que inquieta o escritor é a da realização pessoal.
Esse tema aparecerá diversas
vezes em sua obra, mais notadamente em "O Lobo da Estepe"
(1927), em que o personagem
principal atravessa uma crise e
tem de se decidir por uma vida de
ação ou de contemplação.
É possível especular que tanto o
orientalismo quanto essa noção
da busca do prazer pessoal estejam relacionadas às próprias experiências de autoconhecimento
do escritor, que durante boa parte
da década de 10 do século passado
fazia terapia com J.B. Lang, discípulo de Carl Gustav Jung (1875-1961). E que, durante todo o ano
de 1921, enquanto escrevia "Sidarta", tinha sessões de terapia com o
próprio Jung, também ele um estudioso da cultura oriental.
Hesse estrutura a trajetória de
Sidarta pela sede de conhecimento, acompanhando sua vida desde
a infância, como membro da mais
alta casta hindu, até a velhice,
quando tem sua experiência final
de iluminação.
O jovem Sidarta é um estudioso
do hinduísmo, preocupado com o
ascetismo, com a filosofia e com a
meditação. Sua meditação o leva a
deixar a casa dos pais para viver
uma vida religiosa com os "samanas", ascetas peregrinos que vivem na selva, mendigando e jejuando, em busca da verdade.
Após anos vivendo com os "samanas", ele conhece o buda Gotama e resolve deixar os ascetas.
Contudo percebe que não consegue seguir nenhuma doutrina,
nem mesmo a do buda, e decide
procurar em si mesmo a verdade.
Deixando de lado a vida religiosa, Sidarta é tentado pelo amor.
Abandona a vida espiritual para
mergulhar em experiências mais
mundanas, entregando-se ao sexo, aos negócios, ao vinho, à comida e ao jogo.
Mas, da mesma forma que não
se encontra no ascetismo, não se
encontra na dissipação. Maduro,
resolve voltar a se isolar e aí tem a
iluminação de que não existem
caminhos diferentes para o bem e
o mal, mas que os dois coexistem
num mesmo tempo.
Essa história sedutora, que impele tanto à ação quanto à reflexão, tornou-se ela mesma um ícone da cultura jovem após os anos
50, quando sua tradução foi lançada nos Estados Unidos.
De pronto, as idéias de Hesse
em "Sidarta" foram acolhidas pela nascente contracultura do pós-guerra. Para a geração beat, sobretudo para seus principais expoentes -Jack Kerouac (1922-1969) e Allen Ginsberg (1926-1997)-, "Sidarta" se torna um livro essencial, ao lado dos estudos
de filosofia oriental de Aldous
Huxley (1894-1963).
Pela mão dos beats, Hesse contamina a geração seguinte, e o livro se torna referência básica para
os hippies dos anos 60 e 70.
E é assim que "Sidarta" sobrevive ao tempo e ganha novos leitores, tendo sua filosofia chancelada
pelo pop e se equilibrando na própria dualidade que propõe.
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