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Bienal do livro do Rio
Escritor relata viagem a um Brasil de mentira
O colombiano Samper Pizano veio debater romance sobre a ditadura brasileira
Em "Impávido Colosso", Samper Pizano conta como conheceu o país em 1972, durante visita patrocinada pelo governo Médici
SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
"O lugar tem uma vista maravilhosa de São Paulo, vai ser
muito divertido!" O colombiano Daniel Samper Pizano logo
desconfiou ao ouvir a frase. Como a cidade caótica e cheia de
favelas de que tanto ouvira falar
poderia lhe proporcionar um
jantar com esse cenário?
Pois foi dessa maneira que foi
acordado, em 1972, num quarto
do hotel Hilton paulistano, recém-chegado de Bogotá, por
uma jovem anfitriã brasileira
designada a servir-lhe de guia
durante seus dias no Brasil.
Trinta e cinco anos depois,
Samper, 62, voltou ao Rio para
debater literatura latino-americana com o argentino Rodolfo
Fogwill e falar de seu "Impávido Colosso" (Record, 240 págs.,
R$ 42) na 13ª Bienal do Livro,
que acontece no Riocentro até
o próximo domingo.
Na obra, o escritor narra de
modo romanceado as impressões que teve daqui quando
veio conhecer o país com um
grupo de jornalistas de diferentes nacionalidades.
A viagem tinha sido planejada pelo governo Emílio Garrastazu Médici, e o Brasil vivia ao
mesmo tempo a fase mais terrível da ditadura militar (1964-1985) e o chamado "milagre
brasileiro". "É claro que a idéia
era nos mostrar só a segunda
parte", disse Samper à Folha.
Seguiram-se visitas a cartões-postais, viagens ao Rio,
Brasília, São Paulo, Amazonas,
um encontro com o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, e um passeio por obras em
construção -como a Transamazônica- e inaugurações.
"Logo percebemos do que se
tratava. Não nos mostravam o
Brasil real e ainda usavam nossa imagem para fingir um interesse estrangeiro pelo país."
No romance, o grupo se divide entre os que preferem não
ver e seguem aproveitando as
"férias pagas" e os que decidem
investigar melhor a realidade.
Interessam-se pelo tema dos
desaparecidos, entrevistam o
bispo dom Helder Câmara e,
aos poucos, começam a incomodar de verdade os anfitriões.
"Por aquela época, Nixon havia dito que para onde se inclinasse o Brasil, toda a América
Latina se inclinaria. Fiquei encantado. Vim buscar um país e
encontrei um continente."
Logo, também, surgiu a amizade com Millôr Fernandes,
que incentivou a edição do romance aqui. Samper admira e
evoca o estilo e a ironia do brasileiro em seus textos.
Desde 1986 morando em
Madri, Samper continua com
os pés na Colômbia. Tem semanalmente um espaço humorístico no jornal "El Tiempo",
do qual foi editor, e escreve sobre seu país nos espanhóis "El
País" e "La Vanguardia".
Irmão de Ernesto Samper
Pizano, ex-presidente da Colômbia que foi acusado de ter
tido sua campanha eleitoral financiada pelo Cartel de Cali
(mas absolvido em 1996), o autor vê melhorias no país hoje.
"Alvaro Uribe é muito melhor do que Pastrana, devolveu
segurança a lugares antes perdidos para a guerrilha. Por outro lado, é autoritário e muito
religioso, o que traz riscos."
Samper diz que não considera arriscada a aproximação entre Uribe e o venezuelano Hugo Chávez, por conta das negociações por um acordo humanitário com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). "Se Chávez fracassar, a Colômbia sairá ganhando. Se
for bem, os seqüestrados voltarão. Então Uribe só pode ganhar com essa aliança."
O escritor criticou a intelectualidade internacional. "Fora
da Colômbia, os de esquerda
apóiam as Farc, por acharem
que é um movimento ideológico e anti-americano. Mas dentro do país nenhum intelectual
está de acordo. Especialmente
os de esquerda, que tentam ao
máximo mostrar que essa conexão não existe."
Sobre o legado de Gabriel
García Márquez -que está
sendo homenageado na Colômbia por seus 80 anos-,
Samper diz que este não é só literário. "É algo mais profundo
e nacional. Eu não diria que ele
é nosso Shakespeare, e sim
nosso Pelé", conclui.
A jornalista SYLVIA COLOMBO viajou a convite
da organização do evento
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