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"O HOMEM SEM SOMBRA"
Filme mostra mundo povoado por imagens vazias
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
É fácil não gostar de "O Homem sem Sombra". Pesam
contra o novo filme de Paul Verhoeven o tema batido, o roteiro
pouco inspirado na segunda metade, atores mal escalados ou ainda que parecem não se interessar
pelo que fazem.
As virtudes são menos evidentes. Já houve quem condenasse o
filme como um show de efeitos
especiais. De fato, tanto os efeitos
como o show estão lá, claros o
bastante para que se possa filiá-lo
à mais tradicional corrente do cinema, aquela que o faz sucedâneo
e herdeiro do circo.
Nesse sentido, é bem compreensível que sobretudo os intelectuais se desinteressem pelo que
vêem. Estamos na esfera do cinema como puro espetáculo, diversão eminentemente popular, cuja
decadência é sensível há pelo menos duas décadas.
A história é de uma irrelevância
quase tocante. Um cientista brilhante (Kevin Bacon) descobre a
fórmula da invisibilidade. Mais
em função de seu brilho do que da
descoberta, esse homem se julga
Deus. Mas ele está longe de ser
Deus para a antiga namorada e
ainda hoje colaboradora (Elisabeth Shue). Com todo ânimo do
mundo, ela prefere os braços de
outro rapaz da equipe.
Rejeitado, esse autodenominado Deus se vale do poder da invisibilidade para descarregar seu
ciúme desmedido. Breve, estamos
diante de um caso clássico de
cientista louco.
Se "O Homem sem Sombra" me
parece defensável é, em primeiro
lugar, porque o cinema não é uma
arte do roteiro, mas da imagem. E,
naquilo que nos mostra, este filme
traz a marca de um cineasta invulgar.
Existe ali, antes de tudo, o homem, cuja invisibilidade é relativa, já que a maior parte do tempo
usa uma máscara que o torna um
contorno vazio. Um homem mais
oco do que invisível. Esse demiurgo julga-se no direito de determinar, entre outras, quem pode e
quem não pode viver.
A imagem vazia tem sido um tema frequente de Verhoeven, em
geral pouco compreendida (ou
aceita). Foi assim com "Showgirls", onde se tomou por "corpo
pornográfico" um corpo (o da corista) cuja nudez funcionava, paradoxalmente, como armadura
(não era muito diferente do corpo
de "Robocop", filme também realizado por Verhoeven). Foi assim
com "Tropas Estelares", embora
por outros motivos. Ali confundiu-se com filiação nazista um filme que se opunha claramente ao
absolutismo da globalização.
O que tento dizer, em suma, é
que os filmes de Verhoeven prestam-se ao fracasso neste tempo
em que o cinema trocou sua filiação circense pela arte. Pois não
são filmes para pensar, mas para
ver. Não são filmes de história,
mas de imagem; nem de signos,
mas de coisas.
O holandês Verhoeven é hoje
um dos pilares da tradição americana, que é menos narrativa e
mais poética do que parece.
Ambos fazem filmes que solicitam nossa capacidade de ver as
imagens, de recebê-las como expressão de um estar no mundo,
do qual seus filmes tentam dar
conta.
É um cinema, no mais, crítico,
pois trabalha das imagens aquilo
que nelas é vazio, ausência. Isto é,
aquilo que se esconde no visível
justamente por se exibir sem pudor. Nesse sentido, "O Homem
sem Sombra" é uma variação belíssima de "Showgirls". Se lá a exibição ostensiva do corpo funciona como escudo, aqui sua ocultação expõe o triunfo cientificista
nesta virada de milênio.
Também não é por acaso que
voltamos ao tema caduco do cientista louco, que teve seus dias de
glória nos filmes dos anos 30. O
cientificismo atual não terá um
quê de darwinismo social, que supõe a sobrevivência do mais forte?
E nesse sentido não responde à
organização de poder no mundo
globalizado? É isso que mostra "O
Homem sem Sombra": a imagem
de um mundo povoado por imagens vazias (as da TV, por exemplo), de uma perversidade sem
par, pois afirmam trazer a verdade do mundo, quando apenas
constroem uma imagem desse
mundo.
O Homem sem Sombra
Hollow Man
Direção: Paul Verhoeven
Produção: EUA, 2000
Com: Kevin Bacon e Elisabeth Shue
Quando: ABC Plaza Shopping, Anália
Franco, Center Norte, Interlar Aricanduva
e circuito
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