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"MANUAL PRÁTICO DO ÓDIO"
Ferréz volta à periferia em romance "firmeza"
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
O autor de "Capão Pecado"
está de volta. O jovem escritor Ferréz, 27, colocou abaixo os
muros do preconceito e entrou
num mercado fechado e de poucas oportunidades, em especial
para quem vem da "perifa".
Ele seguiu o caminho de Paulo
Lins ("Cidade de Deus"), que, da
favela, mandou sinais de sua alta
literatura. Seguiu o caminho de
outros proletários, como Lima
Barreto e Plínio Marcos.
Passou a dar palestras, a escrever para sites e revistas, a ser convidado para festas da MTV. Foi
absorvido, mas não se perdeu.
Três anos depois, lança o segundo romance, "Manual Prático do
Ódio", mais profundo, mais bem
escrito e, como não poderia deixar de ser, mais envolvente.
O livro aborda o universo da
violência urbana com o refinamento de quem a conhece em detalhes. Tem aquela crueza dos primeiros contos de Rubem Fonseca, aquele de "Feliz Ano Novo".
Sua violência não é alegórica.
Narra a história de uma gangue
("firma") como deve ser narrada,
sem preconceitos, humanizada.
Não são apenas bandidos sobrevivendo com arma em punho,
aterrorizando a cidade gratuitamente. São sonhadores, amam,
vingam-se, procuram um sentido
para a vida e, sobretudo, planejam o futuro. "A única diferença
entre os jovens que roubavam e os
roubados era o muro social que
divide o país", escreveu.
Régis, o protagonista, reclama
que, se não gastasse tanto dinheiro com armas, ou melhor, "aplicasse", já poderia ter comprado
um sítio para viver em paz com a
família.
É um profissional, sabe corromper a PM, que "aceita qualquer
mixaria", mata por encomenda, e
sua ética é duvidosa. Gosta do barulho que um corpo faz quando
cai baleado. Já matou uma ex-companheira. Sua atenção é o seu
passaporte para a vida: o pensamento está 100% concentrado em
maldade.
Como numa guerra de guerrilha, ninguém sabe onde ele mora,
e todos são chamados de "jão"
(que vem de "Manejão", que vem
de "Mané"), para evitar o nome
verdadeiro e dificultar a alcaguetagem.
Nego Duda, que uma vez pichou na parede de sua casa "é hora de me vingar, a fome virou
ódio, e alguém tem que chorar",
pede conselhos a Régis. Um sujeito encomendou por cinco paus a
morte de outro. Régis aconselhou-o a pedir adiantado e trai o
chegado, matando-o e ficando
com o dinheiro.
Ele se junta a Lúcio Fé, Celso Capeta, Aninha, que, apesar do nome e da calcinha com ursinhos
desenhados, anda com um revólver Rossi 38 na cintura, Mágico,
quem bola o plano, e Neguinho da
Mancha na Mão para a parada definitiva, o grande golpe: um assalto para pôr um ponto final em
tanto vaivém.
Ferréz não vê na literatura apenas uma válvula de escape, também ambiciona, através dela, mudar a realidade em volta. "Sou um
contador de histórias. Vivo no
meu próprio tema. Assim é mais
fácil escrever sobre a realidade daqui. Só quero mostrar, sem moralismos, que desse lado há outras
vidas, que querem mudança, e
que o mundo aqui é cruel."
"E noto que a coisa piorou muito nos últimos anos. Mudaram as
gírias, aumentou a maldade. O
desemprego tem levado muita
gente ao desespero", diz.
Nos últimos anos, Ferréz tem
estudado muito. Em cada palestra
que dá, quando um autor é citado,
ele anota e o lê. Leu Flaubert. Descobriu John Fante depois de ler
Bukowski. "Um autor puxa o outro", diz. Considera tais escritores
seu amigos, conversa com eles.
Filho de um motorista e uma
empregada doméstica, continua
morando no Capão, casou-se há
um mês com Elaine, pintora,
"uma mina firmeza", anda sempre acompanhado por figuras de
lá, um truta, e continua circulando de busão ou lotação.
Militante, montou com amigos
uma biblioteca no bairro, que fechou por falta de grana para o aluguel, organiza eventos culturais e,
em novembro, lança o disco "Determinação", com participação de
Arnaldo Antunes e Chico César.
Firmeza total.
Manual Prático do Ódio
Autor: Ferréz
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 29,90 (256 págs.)
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