São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 2005

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CRÍTICA

Diretor brinca com a subversão da imagem da violência no cinema

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

A aproximação pode parecer esdrúxula, mas David Cronenberg e Pedro Almodóvar são os dois cineastas que, hoje, melhor filmam o desejo como motor do homem. Não o desejo instintivo, mas a construção simbólica radicalmente artificial que afeta os corpos, transformando-os e estabelecendo relações físicas e afetivas. O desejo, enfim, como poder que subverte relações de constrangimento e força como as convenções sociais. Tanto Cronenberg como Almodóvar se deleitam ao trabalhar esse ponto a partir dos clichês do cinema de gênero: Almodóvar reinventando o melodrama, e Cronenberg, a ficção científica e o filme de ação.
Cronenberg vai mais longe nesse sentido em "Crash - Estranhos Prazeres" (96), conto erótico-metálico em que as pessoas só conseguem gozar quando estão em carros em alta velocidade. "Marcas da Violência" talvez não chegue aos pés em provocação, mas nem por isso deixa de ser brilhante.
Em seu novo filme, Cronenberg se confirma como um dos poucos que encaram a questão da violência sem hipocrisia. Como Martin Scorsese, ele a toma como um fato da vida, mas nunca algo natural e animalesco. A violência é parte do desejo e das relações sociais.
Aqui, Cronenberg trabalha principalmente o problema da própria representação da violência pelo cinema. Ele brinca com a sedução de uma seqüência de ação bem dirigida, e o resultado dessa violência nos corpos, que causa repulsa. "É essa a estrutura das cenas de violência: se você é cúmplice na diversão, deverá ser cúmplice também na conseqüência", disse ele em Cannes.
Essa "regra" básica fica evidente na primeira explosão de violência, em que Viggo Mortensen, um pacato homem de família, reage a um assalto e, num ato de legítima defesa, mata (com impressionante destreza) dois assaltantes. Quando seu feito o transforma em herói da cidade, desmorona o mito do pai de família e vem à tona um homem de passado brutal.
A partir do momento em que a violência aparece, suscita efeitos diversos na vida desse homem e dos que o cercam, transformando a postura de seus filhos ou mesmo reapimentando a vida sexual do casal (em duas belas cenas).
"Marcas da Violência" nunca dá à imagem uma dimensão mais importante do que ela tem. Tudo é parte de um jogo ficcional, mero espelho da vida, uma forma divertida e nem por isso menos séria de pensar o mundo.


Marcas da Violência
A History of Violence
    
Direção: David Cronenberg
Quando: sábado, às 22h50, no Espaço Unibanco; e dias 26, às 21h, no Metrô Santa Cruz; 29, às 17h30, no Cinesesc; e 1º, às 20h20, na Sala UOL


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