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CRÍTICA
Diretor brinca com a subversão da imagem da violência no cinema
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
A aproximação pode parecer esdrúxula, mas David
Cronenberg e Pedro Almodóvar
são os dois cineastas que, hoje,
melhor filmam o desejo como
motor do homem. Não o desejo
instintivo, mas a construção simbólica radicalmente artificial que
afeta os corpos, transformando-os e estabelecendo relações físicas
e afetivas. O desejo, enfim, como
poder que subverte relações de
constrangimento e força como as
convenções sociais. Tanto Cronenberg como Almodóvar se deleitam ao trabalhar esse ponto a
partir dos clichês do cinema de
gênero: Almodóvar reinventando
o melodrama, e Cronenberg, a ficção científica e o filme de ação.
Cronenberg vai mais longe nesse sentido em "Crash - Estranhos
Prazeres" (96), conto erótico-metálico em que as pessoas só conseguem gozar quando estão em carros em alta velocidade. "Marcas
da Violência" talvez não chegue
aos pés em provocação, mas nem
por isso deixa de ser brilhante.
Em seu novo filme, Cronenberg
se confirma como um dos poucos
que encaram a questão da violência sem hipocrisia. Como Martin
Scorsese, ele a toma como um fato
da vida, mas nunca algo natural e
animalesco. A violência é parte do
desejo e das relações sociais.
Aqui, Cronenberg trabalha
principalmente o problema da
própria representação da violência pelo cinema. Ele brinca com a
sedução de uma seqüência de
ação bem dirigida, e o resultado
dessa violência nos corpos, que
causa repulsa. "É essa a estrutura
das cenas de violência: se você é
cúmplice na diversão, deverá ser
cúmplice também na conseqüência", disse ele em Cannes.
Essa "regra" básica fica evidente
na primeira explosão de violência,
em que Viggo Mortensen, um pacato homem de família, reage a
um assalto e, num ato de legítima
defesa, mata (com impressionante destreza) dois assaltantes.
Quando seu feito o transforma
em herói da cidade, desmorona o
mito do pai de família e vem à tona um homem de passado brutal.
A partir do momento em que a
violência aparece, suscita efeitos
diversos na vida desse homem e
dos que o cercam, transformando
a postura de seus filhos ou mesmo
reapimentando a vida sexual do
casal (em duas belas cenas).
"Marcas da Violência" nunca dá
à imagem uma dimensão mais
importante do que ela tem. Tudo
é parte de um jogo ficcional, mero
espelho da vida, uma forma divertida e nem por isso menos séria de
pensar o mundo.
Marcas da Violência
A History of Violence
Direção: David Cronenberg
Quando: sábado, às 22h50, no Espaço
Unibanco; e dias 26, às 21h, no Metrô
Santa Cruz; 29, às 17h30, no Cinesesc; e
1º, às 20h20, na Sala UOL
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