São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 2005

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CANTO/DANÇA

Com 44 bailarinos e 13 músicos, espetáculo encenado em teatro carioca preserva cultura africana

Tradição do Jongo da Serrinha volta maior

DA SUCURSAL DO RIO

Entre muitos cantos e danças, não há falas no espetáculo "Jongo da Serrinha", que estréia amanhã no teatro Carlos Gomes, no Rio. Mas alguns lemas dessa tradição africana que insiste em sobreviver no Brasil são ditos no palco. Um deles é fundamental: "Nada nos pertence. Tudo o que recebemos temos de passar adiante".
Dois anos depois de um espetáculo homônimo que lotou o Carlos Gomes, o grupo Jongo da Serrinha volta à cena para passar adiante um acervo histórico que, se tivesse ficado limitado a um gueto, poderia ter até acabado.
E volta em dimensão maior: com 44 bailarinos, 13 músicos, direção cênica (de Celso André), direção musical de um craque do samba (Paulão 7 Cordas), projeções de imagens, além de figurinos e maquiagens de impacto.
"O jongo era mais simples. Agora está luxuoso, com essas roupas todas. Mas está bonito", diz Tia Maria, 84, matriarca do grupo da Serrinha, no morro de Madureira (zona norte), que é um dos mais fortes núcleos de preservação das tradições africanas no Rio.
A afirmação de Tia Maria é mais uma constatação do que um lamento. Até os anos 70, o jongo se mantinha na Serrinha com suas características originais: um ritual de celebração dos deuses ancestrais, conduzido pelos toques dos tambores, cantos de louvor e respeitando-se a primazia dos mais velhos -as crianças nem podiam participar. Mas Darcy Monteiro, o Mestre Darcy, resolver pôr em prática seu conceito de "folclore evolutivo" e abrir o compasso. Em primeiro lugar, as rodas passaram a ter violões, cavaquinhos e flautas. "Os escravos tocavam só tambor porque não tinham acesso a outros instrumentos", justificava Darcy, morto em 2001.
Crianças passaram a participar dos rituais e dos espetáculos, que Darcy começou a montar com sua mãe, Vovó Maria Joana Rezadeira (1902-1986), mãe-de-santo, jongueira e líder comunitária. Esse trabalho culminou em 2000 com a criação da ONG Grupo Cultural Jongo da Serrinha, que ensina o jongo a 120 crianças.
"Lutamos para manter a identidade dessa comunidade. Por isso, reunimos todo o material possível no nosso centro de memória", conta Dyonne Boy, diretora geral da ONG e bailarina.
A luta tem efeitos práticos. Recentemente, técnicos da prefeitura começaram a medir o terreno da casa de Tia Maria, pois ela provavelmente teria de ser derrubada em função do projeto Favela-Bairro. O Jongo da Serrinha começou a se mexer para mostrar que naquela casa cinqüentenária uma história importante se deu.
A família Oliveira, de Tia Maria e Tia Eulália -fundadora do Império Serrano, morta há três meses, aos 96- e a família Monteiro continuam sendo os eixos do Jongo da Serrinha. Lazir, sobrinha de Tia Maria, e Deli, sobrinha de Darcy, são duas das cantoras do espetáculo. Luíza e Tia Maria completam as vozes.
Dividida em três partes, a encenação começa na região Congo-Angola, de onde os negros bantos escravizados trouxeram o jongo; continua nas fazendas de café do vale do Paraíba e nos morros e áreas rurais cariocas, onde ele se manteve vivo; e termina caindo no samba, já que o Império Serrano é um desdobramento das tradições da Serrinha. Com "Bumbum Paticumbum Prugurundum" o grupo conclui seu ritual em clima de festa. (LUIZ FERNANDO VIANNA)


Jongo da Serrinha
Quando:
qui. a sáb., às 19h30; dom., às 18h; de amanhã a 13/11
Onde: teatro Carlos Gomes (pça. Tiradentes, s/nš, RJ, 0/xx/21/2232-8701)
Quanto: R$ 20


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