São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 2005

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COMIDA

Escolas de samba do Rio de Janeiro criam circuito para o prato tradicional

Feijoada completa

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Em maio de 2003, na volta do enterro do grande portelense Argemiro Patrocínio (1923-2003), o sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz resolveu transformar em realidade um sonho antigo: fazer na quadra da Portela um encontro movido a samba e comida que recuperasse a chamada "alma portelense", abalada por tantas mortes e duas décadas sem título.
"Fizemos uma campanha boca-a-boca na região [de Madureira, zona norte do Rio], e a primeira feijoada, em julho de 2003, já foi um sucesso e muito emocionante, com todos cantando o "Hino da Portela". Hoje temos até 6.000 pessoas em um sábado", orgulha-se Marquinhos.
A feijoada fez muito mais do que firmar uma tradição nos primeiros sábados de cada mês: abriu a tampa para a criação de um circuito de feijoadas nas escolas de samba cariocas. Em novembro, completa-se um ano da feijoada mangueirense, marcada para todo segundo sábado do mês. O Império Serrano está ocupando desde julho passado os terceiros sábados. A Unidos de Vila Isabel reservou, a partir de setembro, o último sábado -no caso deste mês, dia 29. A Acadêmicos da Rocinha e a Caprichosos de Pilares já começaram a oferecer feijoada aos domingos. O negócio agora vai ser arrumar dia para tanto feijão.
"Esse circuito é uma vitória de todos do samba, porque permite a integração entre pessoas de várias classes e idades e confirma que samba e comida sempre andaram juntos", comemora Marquinhos, que anima o palco ao lado da Velha Guarda.
Na Portela, essa união é mais do que sólida. Vem das antigas tias, como Esther e Vicentina ("Provei do famoso feijão da Vicentina/ Só quem é da Portela é que sabe que a coisa é divina", cantou Paulinho da Viola em "No Pagode do Vavá"), e se mantém em cantoras-cozinheiras como Doca e Surica.
O feijão que alimenta milhares de bocas na quadra de Madureira é responsabilidade de 23 mulheres, tendo à frente Ivete Pereira, 58, comandante do exército azul-e-branco que tem em Surica seu nome mais famoso.
A receita alinhavada por Surica, pastora da Portela, (registrada no livro "Batuque na Cozinha", ed. Senac Rio) é executada em escala industrial: 80 kg de feijão, 75 kg de cada carne, 80 kg de arroz, 50 kg de farinha, 230 molhos de couve e por aí vai. As feras da cozinha chegam a ficar duas noites sem dormir para pilotar os 20 caldeirões.
"É muito cansativo, ganhamos um pouquinho, mas nem tudo na vida é dinheiro. Vale pelo prazer de ver as pessoas comendo e a Portela cheia", diz Ivete, que dá uma pista do sucesso: "Não pode escaldar. Se escaldar, sai o gosto."
Dulcinéia da Cunha Nascimento, 55, a Néia, é ainda mais sucinta ao falar do segredo da feijoada que comanda no Império Serrano: "Amor". E haja amor para dar conta de dez bocas de fogão, auxiliada por 15 cozinheiras, e alimentar 3.000 pessoas.
Ao contrário da Portela, em que as "tias" servem os pratos dos fregueses com certa autonomia, no Império o esquema é de bufê, havendo mais controle na escolha das carnes. Jorginho do Império é o anfitrião dos sambistas.
Na Mangueira, é um bufê mesmo, o Victoriun, que cuida do serviço. Cabe às pastoras se misturar às 2.000 pessoas, ajudar a comer os 50 kg de feijão e sambar ao som de Serginho Meriti (autor de "Deixa a Vida me Levar") e outros craques.
"Começo a trabalhar na quinta-feira e conto com 25 pessoas. Mas o segredo da feijoada da Mangueira eu não posso revelar", despista o chef Jorge Stock, 44.


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