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COMIDA
Escolas de samba do Rio de Janeiro criam circuito para o prato tradicional
Feijoada completa
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Em maio de 2003, na volta do
enterro do grande portelense Argemiro Patrocínio (1923-2003), o
sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz resolveu transformar em
realidade um sonho antigo: fazer
na quadra da Portela um encontro movido a samba e comida que
recuperasse a chamada "alma
portelense", abalada por tantas
mortes e duas décadas sem título.
"Fizemos uma campanha boca-a-boca na região [de Madureira,
zona norte do Rio], e a primeira
feijoada, em julho de 2003, já foi
um sucesso e muito emocionante,
com todos cantando o "Hino da
Portela". Hoje temos até 6.000 pessoas em um sábado", orgulha-se
Marquinhos.
A feijoada fez muito mais do
que firmar uma tradição nos primeiros sábados de cada mês:
abriu a tampa para a criação de
um circuito de feijoadas nas escolas de samba cariocas. Em novembro, completa-se um ano da
feijoada mangueirense, marcada
para todo segundo sábado do
mês. O Império Serrano está ocupando desde julho passado os terceiros sábados. A Unidos de Vila
Isabel reservou, a partir de setembro, o último sábado -no caso
deste mês, dia 29. A Acadêmicos
da Rocinha e a Caprichosos de Pilares já começaram a oferecer feijoada aos domingos. O negócio
agora vai ser arrumar dia para
tanto feijão.
"Esse circuito é uma vitória de
todos do samba, porque permite a
integração entre pessoas de várias
classes e idades e confirma que
samba e comida sempre andaram
juntos", comemora Marquinhos,
que anima o palco ao lado da Velha Guarda.
Na Portela, essa união é mais do
que sólida. Vem das antigas tias,
como Esther e Vicentina ("Provei
do famoso feijão da Vicentina/ Só
quem é da Portela é que sabe que
a coisa é divina", cantou Paulinho
da Viola em "No Pagode do Vavá"), e se mantém em cantoras-cozinheiras como Doca e Surica.
O feijão que alimenta milhares
de bocas na quadra de Madureira
é responsabilidade de 23 mulheres, tendo à frente Ivete Pereira,
58, comandante do exército azul-e-branco que tem em Surica seu
nome mais famoso.
A receita alinhavada por Surica,
pastora da Portela, (registrada no
livro "Batuque na Cozinha", ed.
Senac Rio) é executada em escala
industrial: 80 kg de feijão, 75 kg de
cada carne, 80 kg de arroz, 50 kg
de farinha, 230 molhos de couve e
por aí vai. As feras da cozinha chegam a ficar duas noites sem dormir para pilotar os 20 caldeirões.
"É muito cansativo, ganhamos
um pouquinho, mas nem tudo na
vida é dinheiro. Vale pelo prazer
de ver as pessoas comendo e a
Portela cheia", diz Ivete, que dá
uma pista do sucesso: "Não pode
escaldar. Se escaldar, sai o gosto."
Dulcinéia da Cunha Nascimento, 55, a Néia, é ainda mais sucinta
ao falar do segredo da feijoada
que comanda no Império Serrano: "Amor". E haja amor para dar
conta de dez bocas de fogão, auxiliada por 15 cozinheiras, e alimentar 3.000 pessoas.
Ao contrário da Portela, em que
as "tias" servem os pratos dos fregueses com certa autonomia, no
Império o esquema é de bufê, havendo mais controle na escolha
das carnes. Jorginho do Império é
o anfitrião dos sambistas.
Na Mangueira, é um bufê mesmo, o Victoriun, que cuida do serviço. Cabe às pastoras se misturar
às 2.000 pessoas, ajudar a comer
os 50 kg de feijão e sambar ao som
de Serginho Meriti (autor de
"Deixa a Vida me Levar") e outros
craques.
"Começo a trabalhar na quinta-feira e conto com 25 pessoas. Mas
o segredo da feijoada da Mangueira eu não posso revelar", despista o chef Jorge Stock, 44.
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