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Crítica
Livro expõe autor assertivo e polêmico
FLÁVIO MOURA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Na nota à segunda edição de seu estudo sobre o neoconcretismo,
publicada em 1999, o crítico
Ronaldo Brito manifesta o temor de que o movimento seja
transformado em "imagem cívica". "Experiência Neoconcreta", a versão de Ferreira Gullar
sobre o papel que desempenhou no grupo, dá sentido à
afirmação. O livro reforça certa
tendência da crítica a transformar o neoconcretismo num
emblema e a consolidá-lo como
marco fundador da arte contemporânea no Brasil.
A tese é a mesma dos artigos
que publicou no "Jornal do
Brasil" durante a gestação do
movimento, entre o fim da década de 1950 e o início dos anos
1960. Os artistas neoconcretos
teriam sido capazes de dar um
passo adiante em relação às
vanguardas construtivas européias ao superar a tela como suporte e instituir uma relação
ativa entre a obra e o espectador. A diferença está no tom:
Gullar se mostra mais assertivo
do que nunca e segue disposto à
polêmica.
Em continuidade à refrega
que travou com Décio Pignatari
há poucos meses nas páginas
desta Folha, dedica as primeiras linhas a espezinhar os poetas concretos. Afirma que sem
ele os irmãos Campos não teriam reconhecido o valor da
obra de Oswald de Andrade,
sugere que não tinham idéia
formada sobre o conceito de
símbolo e diz que uma das razões para seu afastamento do
grupo foi a insistência dos concretos em escrever manifestos
vazios, sem poemas capazes de
lhes dar consistência.
As indicações a respeito de
sua influência sobre os neoconcretos não são menos enfáticas.
Em uma das afirmações mais
controversas do livro, sustenta
que os "Bichos", de Lygia Clark,
são inspirados por seu livro-poema "Fruta", de formato semelhante e em seu entender o
pioneiro na instituição da relação ativa entre obra e espectador. "Como os livros-poema
nunca foram editados e, em
1961, afastei-me do grupo, dando outro rumo a meu trabalho
poético, a verdadeira origem
disso foi naturalmente atribuída a outros artistas neoconcretos, sem que se perguntasse como surgiu", escreve Gullar.
Sobra ainda espaço para
identificar em seu "Poema Enterrado" o fundamento dos
"Bólides", de Hélio Oiticica, e
para encontrar no movimento
neoconcreto as raízes das performances e instalações contemporâneas.
As reações são inevitáveis e
não devem tardar. Mas a polêmica é só uma dimensão do livro. O que mais chama a atenção no ensaio é a disposição de
Gullar -no entender de boa
parte da crítica literária o
maior poeta brasileiro vivo-
em voltar ao assunto. Se ele já é
visto como o principal articulador teórico do neoconcretismo
e tem assento garantido no
panteão da poesia brasileira,
para que o desgaste?
O ponto é que a cotação do
neoconcretismo subiu em ritmo vertiginoso nos últimos
tempos. A acolhida festiva das
obras de Hélio Oiticica e Lygia
Clark no exterior a partir dos
anos 1990, a valorização crescente de Amilcar de Castro e
uma inclinação visível na universidade e no jornalismo a mitificar os anos 1950, num paralelo entre as manifestações
culturais da época e as promessas do nacional-desenvolvimentismo, contribuíram para
fazer dos neoconcretos os
agentes da "emancipação" da
arte brasileira.
A publicação de "Experiência Neoconcreta" responde em
parte a esse contexto. A ocasião é boa para reforçar essa
versão heróica sobre o movimento, mesmo sob o risco de
conferir um caráter doutrinário para seus pressupostos.
Gullar, lembre-se, já teorizou
copiosamente a respeito, a tal
ponto que o novo livro leva a
supor que os "excessos racionalistas" talvez não fossem exclusividade do grupo paulista.
É certo que não existe crítica
sem análise formal, e Gullar segue capaz de fazê-lo com a clareza e densidade de sempre.
Mas o que há de novo no ensaio é a explicitação das disputas de que o neoconcretismo se
tornou alvo. E pode estar nelas
o caminho para uma compreensão mais equilibrada de
seu legado.
EXPERIÊNCIA NEOCONCRETA:
MOMENTO-LIMITE DA ARTE
Autor: Ferreira Gullar
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 68 (164 págs.)
Avaliação: bom
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