São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2010

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CRÍTICA REPORTAGEM

Livro dá cores reais às ações militares brasileiras no Haiti

FÁBIO ZANINI
EDITOR DE MUNDO

É mais um tributo a "Tropa de Elite" que até um livro sobre o Haiti pegue carona no fenômeno. "DOPaz" (ed. Objetiva), da jornalista Tahiane Stochero, assume sem rodeios que estava no forno, à espera do gancho. Logo na capa, promete contar "como a tropa de elite do Exército brasileiro pacificou a favela mais violenta do Haiti".
O título é uma referência ao Departamento de Operações de Paz do Exército brasileiro, que recebe a missão, em 2006, de "pacificar" Cité Soleil, uma das áreas mais violentas da capital haitiana.
O oportunismo editorial é evidente, mas há paralelos com o Bope.
Tomada por gangues, Cité Soleil era, à época, impenetrável para o Estado. O Brasil, no comando da Minustah, a força de paz da ONU que se instalou no país em 2004, tinha como ponto de honra fazer-se presente e para isso escalou os melhores. Como em qualquer operação militar urbana, "efeitos colaterais" se traduziram na morte de civis inocentes, nos abundantes episódios de fogo amigo e no desrespeito à regra de engajamento básica de que "o emprego da força deve ser pautado pela proporcionalidade".
Em apenas dois meses e meio, entre dezembro de 2006 e fevereiro de 2007, há 110 mortos. Muitos são os erros, mas raríssimas as admissões de culpa pelo Exército.
"Pega esta pá, malandro, e começa a cavar. Hoje você vai falar de qualquer jeito", diz um soldado brasileiro a um morador, instruindo-o a abrir sua própria cova. O informante, como é óbvio, abre o bico para o cover de capitão Nascimento.
O grande mérito do livro é dar cores reais às ações militares brasileiras. A partir de relatórios de operações obtidos por Tahiane, alguns secretos, soldados, identificados por codinomes, expressam temor e heroísmo em conversas cheias de tensão.
A narrativa seca mostra por dentro como Cité Soleil foi conquistada dia a dia, rua a rua, a ponto de, em janeiro de 2010, às vésperas do terremoto que devastou a capital, ter se transformado numa região razoavelmente segura.
Sua "pacificação" é hoje exaltada por um Exército brasileiro sedento por sucesso, mas os bastidores, até hoje, não tinham vindo à tona. Se faltou algo, foi retratar os civis haitianos como algo mais que figurantes na sucessão de operações e mais operações militares. Eles, afinal, que podem dizer se o custo dos efeitos colaterais compensou o da pacificação.


DOPAZ
AUTORA Tahiane Stochero
EDITORA Objetiva
QUANTO R$ 36,90 (216 págs.)
AVALIAÇÃO bom
LANÇAMENTO hoje, às 19h, na Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, tel. 0/xx/11/3814-5811)




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