São Paulo, terça, 20 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cinema novo americano

Divulgação
Lara Flynn Boyle em "Felicidade", filme polêmico do americano Todd Solondz que é exibido hoje



A Mostra de São Paulo exibe filmes da jovem geração de cineastas dos Estados Unidos, entre eles o aclamado e polêmico "Felicidade", do diretor Todd Solondz, que trata de temas como pedofilia


RICARDO CALIL
especial para a Folha, em Nova York

Um homem dopa sua família para poder violentar um colega do filho de 11 anos. Uma mulher mata, esquarteja e guarda no freezer os restos de seu estuprador. Outra arranja um encontro entre a irmã solitária e um pervertido que lhe passava trotes obscenos.
Esses são alguns dos personagens de "Felicidade" ("Happiness"), do cineasta americano Todd Solondz, atração de hoje na Mostra de Cinema de São Paulo.
Pessoas doentias? Não para Solondz. "Meus personagens são seres humanos absolutamente normais, como eu e você", disse à Folha, por telefone, de Los Angeles. "Só que eles precisam lutar contra seus demônios internos."
Claro que nem todos concordam com a opinião do cineasta. Antes mesmo de sua estréia, o filme provocou polêmica e por pouco não foi lançado nos EUA. A October Films desistiu de distribuir "Felicidade" ao descobrir que ele lidava com temas tabu como pedofilia. Mas a Good Machine, produtora do filme, resolveu bancar o lançamento e ganhou a aposta. "Felicidade" levou o prêmio da crítica no Festival de Cannes.
Solondz, que já havia dirigido o igualmente polêmico e consagrado "Bem-Vindo à Casa de Bonecas" (1996), virou o novo herói do cinema independente americano.
O cineasta descreve "Felicidade" como um painel de várias histórias de amor que transcorrem paralelamente na suburbana Nova Jersey, onde ele nasceu e cresceu.
Há mais de dez personagens principais -todos eles com algum distúrbio emocional ou sexual. Mas Solondz prefere evitar palavras como distúrbio, doença ou loucura para definir seus personagens. Para ele, "são apenas pessoas dominadas pela solidão e pelo desejo, em busca de felicidade".

Folha -De onde você tirou inspiração para compor os personagens de "Felicidade"?
Todd Solondz -
Eu tive a idéia de fazer o filme quando li na imprensa a história de um serial killer russo que estuprava e matava crianças, mas que tinha mulher e filhos. Então eu comecei a colecionar reportagens para fazer um painel de várias histórias de amor protagonizadas por pessoas comuns que precisavam lutar contra o lado demoníaco da natureza humana.
Folha -Por que você decidiu fazer uma comédia com esse material?
Solondz -
Eu não chamaria o filme de comédia. Bem... talvez seja uma comédia triste. Eu achei intolerável lidar com esse material sem humor, mas o meu objetivo inicial era tratar seriamente de tabus que são mostrados de forma sensacionalista pela TV e pelos tablóides. Para mim, é muito dificil separar o que acho engraçado daquilo que me toca. Tenho esses dois lados: vejo humor em algumas coisas que são tristes e perturbadoras.
Folha -Como você definiria seus personagens?
Solondz -
São pessoas dominadas pela solidão e pelo desejo, pela vontade de se comunicar, de buscar a felicidade. Eles não são monstros, não são a encarnação do mal; eles estão apenas lutando contra os monstros que existem dentro deles. Você pode não gostar deles, pode não se identificar, mas precisa reconhecer que há algo de real e humano neles. Eu tenho muita compaixão pelos meus personagens. Sempre me perguntam por que eu faço filmes sobre pessoas tão repulsivas. Porque, para mim, elas não são repulsivas.
Folha -Por que, em meio a essa galeria de seres desajustados, o personagem do psicólogo pedófilo causou mais polêmica?
Solondz -
Porque a pedofilia é um grande tabu em qualquer lugar do mundo. É chocante, mas existe -e não se pode negar isso.
Folha -Em alguma cena você teve o objetivo de chocar o público?
Solondz -
Sei que fiz um filme chocante, mas meu objetivo nunca foi esse. Não há nada no filme que não se veja na TV ou nos tablóides, eu apenas desenho uma face humana para cada personagem.
Folha -Um crítico batizou seu filme de "Short Cuts' de Nova Jersey". O que você achou disso?
Solondz -
Eu fico muito orgulhoso em ser comparado com Robert Altman. Mas acho que as únicas semelhanças entre os dois filmes são os vários protagonistas e as histórias paralelas. Eu não tentei repetir o que ele já fez porque sei que iria falhar miseravelmente.
Folha -Você aceitaria um convite para dirigir em Hollywood?
Solondz -
Eu nunca digo não, mas dificilmente isso vai acontecer. Acho que eles não iriam me chamar e eu não iria encontrar um projeto que me interessasse.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.