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TEATRO/CRÍTICAS
"Pai" é um apanhado virtuosístico de Bete Coelho
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
A atriz é consagrada, o diretor é
um ator consagrado, consagrada
também é a cenógrafa. A grande
interrogação desse primeiro monólogo de Bete Coelho era, inevitavelmente, o texto da -também
atriz- Cristina Mutarelli. Ela estréia como autora no mais ingrato
dos gêneros.
Atriz cômica, poderia ter escrito
uma "stand-up comedy", mas
não: escreveu logo um ambicioso
desabafo, com humor, mas também drama, beirando até mesmo
o melodrama, contra um pai
opressor. Não se pode afirmar
que "Pai" seja um texto plenamente desenvolvido.
Mutarelli segue em muitas direções, sem se dar tempo para definir integralmente nem personagem nem pensamentos. Não arrisca nem sequer uma "filosofia
do cotidiano", como fez sua colega Ângela Dip em monólogo na
mesma linha.
Comediante tornada autora, ela
dissolve muitos antagonismos
dramáticos em tiradas, em "wisecracks", algumas, aliás, dignas de
um Woody Allen. São, no mais
das vezes, cenas jogadas no papel
algo desordenadamente, algumas
ótimas, outras nem tanto. Isso, é
claro, no texto.
No palco, o que se vê é a atriz
Bete Coelho arrancando o limite
do que pode dar cada palavra, cada mínima perturbação de espírito do personagem. A atuação tem
passagens antológicas, verdadeiras aulas de tempo cômico -o
que, imagina-se, pode ser efeito
da direção de Paulo Autran, reconhecido mestre na alta comédia
de Noel Coward.
Uma dessas passagens, num
quadro que parece ter vida própria no monólogo, mostra Alzira,
a filha que fala ao "pai", descrevendo sua hilária cena de disputa
-absolutamente imaginária-
com um senhor estranho, acompanhado de um cão, por espaço
numa calçada.
A narração se mistura freneticamente ao "diálogo" da cena-dentro-da-cena e à própria descrição
do que passa pela cabeça de Alzira
-e é tudo representado com
uma precisão de relógio, tirando,
novamente, o melhor de cada frase.
"Pai" é tudo aquilo que um monólogo de uma atriz como Bete
Coelho tem mesmo que ser: um
teste de espelho, um apanhado
virtuosístico do talento da atriz,
com seu olhar para o amor, a dor,
o ódio, o desprezo, o desespero
-enfim, tudo o que fazia como
paródia em "Cacilda!", como Cacilda Becker, fotografando expressões arrebatadas.
É sempre arriscado identificar
ou desconstruir uma direção de
atores, que é, obviamente, o que
Paulo Autran realizou em "Pai".
Para aventurar uma opinião, o
que o grande ator parece ter
transmitido à grande atriz é uma
serenidade, um controle maior de
sua intensidade de interpretação
-o que também se deve ao texto
de Mutarelli.
Quanto ao cenário, Daniela
Thomas, aqui em co-autoria com
André Cortez, mostra uma vez
mais sua exuberância criativa, em
paredes de altas gavetas e bonecas
enterradas -o que sublinha a relação de opressão entre o pai e Alzira, desde menina.
Avaliação:
Peça: Pai
Texto: Cristina Mutarelli
Direção: Paulo Autran
Cenário: Daniela Thomas e André Cortez
Com: Bete Coelho
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h
Onde: Teatro Crowne Plaza (r. Frei
Caneca, 1.360, Cerqueira César, São
Paulo, tel. 0/xx/11/289-0985)
Quanto: R$ 20
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