São Paulo, Sábado, 20 de Novembro de 1999
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TEATRO/CRÍTICAS

"Pai" é um apanhado virtuosístico de Bete Coelho

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

A atriz é consagrada, o diretor é um ator consagrado, consagrada também é a cenógrafa. A grande interrogação desse primeiro monólogo de Bete Coelho era, inevitavelmente, o texto da -também atriz- Cristina Mutarelli. Ela estréia como autora no mais ingrato dos gêneros.
Atriz cômica, poderia ter escrito uma "stand-up comedy", mas não: escreveu logo um ambicioso desabafo, com humor, mas também drama, beirando até mesmo o melodrama, contra um pai opressor. Não se pode afirmar que "Pai" seja um texto plenamente desenvolvido.
Mutarelli segue em muitas direções, sem se dar tempo para definir integralmente nem personagem nem pensamentos. Não arrisca nem sequer uma "filosofia do cotidiano", como fez sua colega Ângela Dip em monólogo na mesma linha.
Comediante tornada autora, ela dissolve muitos antagonismos dramáticos em tiradas, em "wisecracks", algumas, aliás, dignas de um Woody Allen. São, no mais das vezes, cenas jogadas no papel algo desordenadamente, algumas ótimas, outras nem tanto. Isso, é claro, no texto.
No palco, o que se vê é a atriz Bete Coelho arrancando o limite do que pode dar cada palavra, cada mínima perturbação de espírito do personagem. A atuação tem passagens antológicas, verdadeiras aulas de tempo cômico -o que, imagina-se, pode ser efeito da direção de Paulo Autran, reconhecido mestre na alta comédia de Noel Coward.
Uma dessas passagens, num quadro que parece ter vida própria no monólogo, mostra Alzira, a filha que fala ao "pai", descrevendo sua hilária cena de disputa -absolutamente imaginária- com um senhor estranho, acompanhado de um cão, por espaço numa calçada.
A narração se mistura freneticamente ao "diálogo" da cena-dentro-da-cena e à própria descrição do que passa pela cabeça de Alzira -e é tudo representado com uma precisão de relógio, tirando, novamente, o melhor de cada frase.
"Pai" é tudo aquilo que um monólogo de uma atriz como Bete Coelho tem mesmo que ser: um teste de espelho, um apanhado virtuosístico do talento da atriz, com seu olhar para o amor, a dor, o ódio, o desprezo, o desespero -enfim, tudo o que fazia como paródia em "Cacilda!", como Cacilda Becker, fotografando expressões arrebatadas.
É sempre arriscado identificar ou desconstruir uma direção de atores, que é, obviamente, o que Paulo Autran realizou em "Pai". Para aventurar uma opinião, o que o grande ator parece ter transmitido à grande atriz é uma serenidade, um controle maior de sua intensidade de interpretação -o que também se deve ao texto de Mutarelli.
Quanto ao cenário, Daniela Thomas, aqui em co-autoria com André Cortez, mostra uma vez mais sua exuberância criativa, em paredes de altas gavetas e bonecas enterradas -o que sublinha a relação de opressão entre o pai e Alzira, desde menina.


Avaliação:    


Peça: Pai
Texto: Cristina Mutarelli
Direção: Paulo Autran
Cenário: Daniela Thomas e André Cortez
Com: Bete Coelho
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h
Onde: Teatro Crowne Plaza (r. Frei Caneca, 1.360, Cerqueira César, São Paulo, tel. 0/xx/11/289-0985)
Quanto: R$ 20



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