|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RESENHA
Obra resgata incompreendidos
especial para a Folha
Ipanema tem 1,67 quilômetro
quadrado, é menor que Mônaco
e, segundo Ruy Castro, "mudou o
jeito de o brasileiro escrever, falar,
vestir-se (ou despir-se) e, talvez,
até de pensar". Escrever isso logo
na introdução de "Ela É Carioca"
pode parecer uma provocação e
levar o leitorado à posição de desafiador: prove então.
Descobre-se que há uma sequência em ordem alfabética de
verbetes. Sempre desconfiei que o
inventor da ordem alfabética foi
um indeciso que tinha dúvidas de
quem era mais importante citar
primeiro. É o recurso para não se
cometer injustiças.
A sorte de Ruy Castro é que Albino Pinheiro, fundador da Banda de Ipanema, vem logo no começo. E já no terceiro verbete, o
de Álvaro Alvim, um dos primeiros moradores do bairro, descobre-se que Ipanema, em 1915, era
um ambiente mais salubre. Verbetes depois, na casa do escritor
Aníbal Machado, "o primeiro anfitrião de Ipanema", estiveram
Pablo Neruda e Albert Camus.
Isadora Duncan dançou nua, na
praia, em 1915, quando Ipanema
era um areal. As moças do Arpoador, como Ira Etz e Liliane Lacerda, eram exuberantes, insolentes,
liam clássicos, estudavam teatro e
ouviam jazz. "Havia um ar de
"Doce Vida" de Fellini; ao nascer
do sol, iam todos tomar champanhe na praia", descreve o autor,
num dos verbetes.
Tom Jobim era o paradigma do
bairro. Foi na Ipanema dos anos
30, época em que a Lagoa era rica
em pássaros e peixes, que Jobim
cresceu. Havia pescadores e arrastão (de rede de peixe). "Que saco,
é daqueles livros que não dá para
largar, e tenho de acordar cedo
amanhã", reclamará o leitor. Tinha. Há toques de humor: "(Ivan
Lessa) Fez crítica de teatro em jornais, mas os empregos só duraram até o editor do "Segundo Caderno" decidir que, depois de seis
meses criticando peças, já estava
na hora de Ivan começar a assistir
a elas".
É revelador quando lembra que
Leila Diniz não era pioneira, mas
resultado de uma linhagem que,
nos anos 40 e 50, quebrou tabus.
Só Leila poderia ter dito: "Sim, eu
dou pra todo mundo, mas não
dou pra qualquer um".
É generoso com Gerald Thomas, "...um homem brilhante,
com obsessões de primeiro mundo e, se gasta seu latim e seu alemão no Brasil, é porque vê em
nossa bagunça uma fonte criadora que nós não percebemos".
Exagera quando diz que "Cena
de Cinema", de Lobão, foi o melhor disco de rock brasileiro dos
anos 80, "na opinião do especialista Arthur Dapieve" (?). Mas não
adocica as palavras para contar
suas histórias. A belíssima Liliane
Lacerda, que diziam que teve um
caso com Orson Welles, sofreu
um derrame e ficou hemiplégica e
muda. Oiticica também teve um
derrame e ficou quatro dias, sozinho, em sua casa, até ser descoberto consciente e imóvel, no
chão, sem comer nem beber.
Ruy Castro é um autor nostálgico. Escritor sem nostalgia é como
Coca-Cola sem gás. "Não é um livro nostálgico. Não procuro dizer
"Ah, como era boa aquela época'",
diz ele. Ah, Ruy, relaxe. Você é um
nostálgico. Ainda bem. A nostalgia é o poder de fogo de um escritor. E quem sai ganhando? Bingo.
O leitor.
(MRP)
Avaliação:
Livro: Ela É Carioca - Uma Enciclopédia
de Ipanema
Autor: Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33,50 (472 págs.)
Texto Anterior: Literatura: Livro sugere que utopia existiu em Ipanema Próximo Texto: Trecho Índice
|