São Paulo, Sábado, 20 de Novembro de 1999
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RESENHA

Obra resgata incompreendidos

especial para a Folha

Ipanema tem 1,67 quilômetro quadrado, é menor que Mônaco e, segundo Ruy Castro, "mudou o jeito de o brasileiro escrever, falar, vestir-se (ou despir-se) e, talvez, até de pensar". Escrever isso logo na introdução de "Ela É Carioca" pode parecer uma provocação e levar o leitorado à posição de desafiador: prove então.
Descobre-se que há uma sequência em ordem alfabética de verbetes. Sempre desconfiei que o inventor da ordem alfabética foi um indeciso que tinha dúvidas de quem era mais importante citar primeiro. É o recurso para não se cometer injustiças.
A sorte de Ruy Castro é que Albino Pinheiro, fundador da Banda de Ipanema, vem logo no começo. E já no terceiro verbete, o de Álvaro Alvim, um dos primeiros moradores do bairro, descobre-se que Ipanema, em 1915, era um ambiente mais salubre. Verbetes depois, na casa do escritor Aníbal Machado, "o primeiro anfitrião de Ipanema", estiveram Pablo Neruda e Albert Camus.
Isadora Duncan dançou nua, na praia, em 1915, quando Ipanema era um areal. As moças do Arpoador, como Ira Etz e Liliane Lacerda, eram exuberantes, insolentes, liam clássicos, estudavam teatro e ouviam jazz. "Havia um ar de "Doce Vida" de Fellini; ao nascer do sol, iam todos tomar champanhe na praia", descreve o autor, num dos verbetes.
Tom Jobim era o paradigma do bairro. Foi na Ipanema dos anos 30, época em que a Lagoa era rica em pássaros e peixes, que Jobim cresceu. Havia pescadores e arrastão (de rede de peixe). "Que saco, é daqueles livros que não dá para largar, e tenho de acordar cedo amanhã", reclamará o leitor. Tinha. Há toques de humor: "(Ivan Lessa) Fez crítica de teatro em jornais, mas os empregos só duraram até o editor do "Segundo Caderno" decidir que, depois de seis meses criticando peças, já estava na hora de Ivan começar a assistir a elas".
É revelador quando lembra que Leila Diniz não era pioneira, mas resultado de uma linhagem que, nos anos 40 e 50, quebrou tabus. Só Leila poderia ter dito: "Sim, eu dou pra todo mundo, mas não dou pra qualquer um".
É generoso com Gerald Thomas, "...um homem brilhante, com obsessões de primeiro mundo e, se gasta seu latim e seu alemão no Brasil, é porque vê em nossa bagunça uma fonte criadora que nós não percebemos".
Exagera quando diz que "Cena de Cinema", de Lobão, foi o melhor disco de rock brasileiro dos anos 80, "na opinião do especialista Arthur Dapieve" (?). Mas não adocica as palavras para contar suas histórias. A belíssima Liliane Lacerda, que diziam que teve um caso com Orson Welles, sofreu um derrame e ficou hemiplégica e muda. Oiticica também teve um derrame e ficou quatro dias, sozinho, em sua casa, até ser descoberto consciente e imóvel, no chão, sem comer nem beber.
Ruy Castro é um autor nostálgico. Escritor sem nostalgia é como Coca-Cola sem gás. "Não é um livro nostálgico. Não procuro dizer "Ah, como era boa aquela época'", diz ele. Ah, Ruy, relaxe. Você é um nostálgico. Ainda bem. A nostalgia é o poder de fogo de um escritor. E quem sai ganhando? Bingo. O leitor. (MRP)


Avaliação:     


Livro: Ela É Carioca - Uma Enciclopédia de Ipanema
Autor: Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33,50 (472 págs.)




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