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Retrato em branco e preto
Obra "fotografa" a produção
artística brasileira de 1990
a 2003 a partir de textos
publicados na Folha
DA REPORTAGEM LOCAL
Diz a velha máxima, apregoando que o jornalismo é sempre efêmero, que jornal do dia seguinte
só serve para embrulhar peixes.
Mas não é sempre que os pescados levam a melhor. Com seus erros e acertos, alguma coisa sobrevive às feiras livres e eis que das
toneladas de papel-jornal pode
sair um retrato, uma foto de um
tempo qualquer.
"Em Branco e Preto" é um desses raros "instantâneos".
O livro, que será lançado hoje
em São Paulo, definitivamente
não nasce com vocação para 3 x 4.
Com 752 páginas e mais de duas
centenas de textos, o volume que
a editora Publifolha coloca nas estantes abraça o que promete seu
subtítulo: "Artes Brasileiras na
Folha/1990-2003".
Por "artes brasileiras", entenda-se a produção nacional nas áreas
de artes plásticas, cinema, dança,
literatura, música clássica, música
popular e teatro, os sete capítulos
do trabalho, orquestrado por Arthur Nestrovski.
Articulista da Folha, professor
da PUC-SP, escritor e editor da
Publifolha, ele não enfrentou sozinho a missão de selecionar do
universo de mais de dez anos de
jornal -centenas de milhares de
textos- um panorama das recentes safras culturais brasileiras.
Coordenador do segmento de
música erudita do livro, Nestrovski convocou "curadores" para cada uma das outras áreas: os críticos da Folha Felipe Chaimovich
(artes), Pedro Butcher (cinema),
Inês Bogéa (dança), Sergio Salvia
Coelho (teatro) e Pedro Alexandre Sanches (música popular) e o
editor de Domingo do jornal, Alcino Leite Neto (literatura).
Um rigoroso ensaio do colunista da Folha Marcelo Coelho, que
propõe uma espécie de "retrato"
do "retrato", faz a vez de ponto final. Ou quase final.
Embora não traga nenhum artigo, reportagem ou ensaio, a ultimíssima seção é também uma foto da "década e um terço" que ficaram para trás. São 42 páginas
com cada um dos nomes (de pessoas ou obras) citados nas 710 folhas anteriores.
Vai do "a", de "A Cor do Som",
ao "z" de Stefan Zweig, passando
por É o Tchan e Wittgenstein.
Nenhum desses quatro, claro,
está entre os recordistas de menções. A colheita em cadernos como Ilustrada, Mais! e Jornal de
Resenhas e Letras (que deixaram
de circular) evidencia o incontornável: pessoas que tatuaram a cultura brasileira dos anos 60, 70 e
80, e que continuam pole positions neste 2004, são os campeões,
como Caetano Veloso, Chico
Buarque, Zé Celso Martinez Corrêa. Gigantes passados, como
Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim,
também são bem presentes.
Mas a quantidade de referências
a alguns nomes que décadas anteriores não conheciam, ou que estavam começando a conhecer, indica que nos anos 90 nem tudo foi
retrovisor.
Walter Salles, Beto Brant, Fernando Meirelles e muitos outros
no cinema, a Orquestra Sinfônica
do Estado de São Paulo (a Osesp),
na música erudita, "Cidade de
Deus", na literatura e nas telas,
Marisa Monte e os cometas Cássia
Eller e Chico Science, na música
popular, o grupo Corpo, na dança, Antônio Araújo e seu Teatro
da Vertigem, no teatro, e outros
tantos e tantos exemplos apareceram ou se firmaram na década e
mais um pouquinho de "Em
Branco e Preto".
As introduções dos organizadores do livro -e também o posfácio de Coelho- indicam que os
brancos e pretos das letras negras
sobre o papel-jornal permitem
um retrato até que colorido.
O início do texto de Butcher,
que compila datas e títulos publicados na Folha, é ótimo exemplo:
"23 de maio de 1990: "Gramado
reflete a crise do cinema brasileiro". 5 de maio de 1991: "Cinema
brasileiro muda de emprego". 20
de dezembro de 1995: "Brasil vive
boom cinematográfico". 23 de fevereiro de 1998: "Central do Brasil"
ganha Festival de Berlim". 1º de janeiro de 2004: "Público do filme
nacional cresce 200% em 2003'".
O segmento de artigos que ele
organizou documenta a extinção
da Embrafilme pelo então presidente Fernando Collor, em 1990, a
"retomada" a partir de 1995 com
"Carlota Joaquina" e os fenômenos de público "Cidade de Deus"
e "Carandiru"...
A introdução de Nestrovski sobre música erudita, concentrada
nas mudanças no cenário paulistano, segue no mesmo diapasão,
com afirmações à "as mudanças
foram tantas e de tal natureza que
chega a ser difícil de acreditar".
Não que tenha sido moleza. O
mesmo Nestrovski diz que para as
artes brasileiras em geral foi um
período de crescimento, mas foram "tempos difíceis". "Difíceis
como todos os tempos", brinca
ele, glosando Jorge Luis Borges.
Os tempos, ou melhor, suas artes, foram a prioridade em "Em
Branco e Preto". "Não se trata de
uma antologia dos melhores textos sobre o assunto publicados no
jornal. As artes vêm sempre antes,
na escala de importância do livro", adverte seu organizador.
Nestrovski diz que a idéia é que
o volume tenha vida própria, mas
que ele é organicamente relacionado a outros dois trabalhos que
ele organizou, "Figuras do Brasil"
(esta sim uma antologia de melhores textos da Folha) e os dois
tomos de "Memórias do Presente/100 Entrevistas do Mais!".
O trabalho deve seguir adiante.
A maré não está para os peixes.
LANÇAMENTO DE "EM BRANCO E
PRETO". Quando: hoje, a partir das 11h.
Onde: livraria Cultura/Conjunto Nacional
(av. Paulista, 2.073, São Paulo, tel. 0/xx/
11/3170-4033).
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