São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2004

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Retrato em branco e preto

Obra "fotografa" a produção artística brasileira de 1990 a 2003 a partir de textos publicados na Folha

DA REPORTAGEM LOCAL

Diz a velha máxima, apregoando que o jornalismo é sempre efêmero, que jornal do dia seguinte só serve para embrulhar peixes. Mas não é sempre que os pescados levam a melhor. Com seus erros e acertos, alguma coisa sobrevive às feiras livres e eis que das toneladas de papel-jornal pode sair um retrato, uma foto de um tempo qualquer.
"Em Branco e Preto" é um desses raros "instantâneos".
O livro, que será lançado hoje em São Paulo, definitivamente não nasce com vocação para 3 x 4. Com 752 páginas e mais de duas centenas de textos, o volume que a editora Publifolha coloca nas estantes abraça o que promete seu subtítulo: "Artes Brasileiras na Folha/1990-2003".
Por "artes brasileiras", entenda-se a produção nacional nas áreas de artes plásticas, cinema, dança, literatura, música clássica, música popular e teatro, os sete capítulos do trabalho, orquestrado por Arthur Nestrovski.
Articulista da Folha, professor da PUC-SP, escritor e editor da Publifolha, ele não enfrentou sozinho a missão de selecionar do universo de mais de dez anos de jornal -centenas de milhares de textos- um panorama das recentes safras culturais brasileiras.
Coordenador do segmento de música erudita do livro, Nestrovski convocou "curadores" para cada uma das outras áreas: os críticos da Folha Felipe Chaimovich (artes), Pedro Butcher (cinema), Inês Bogéa (dança), Sergio Salvia Coelho (teatro) e Pedro Alexandre Sanches (música popular) e o editor de Domingo do jornal, Alcino Leite Neto (literatura).
Um rigoroso ensaio do colunista da Folha Marcelo Coelho, que propõe uma espécie de "retrato" do "retrato", faz a vez de ponto final. Ou quase final.
Embora não traga nenhum artigo, reportagem ou ensaio, a ultimíssima seção é também uma foto da "década e um terço" que ficaram para trás. São 42 páginas com cada um dos nomes (de pessoas ou obras) citados nas 710 folhas anteriores.
Vai do "a", de "A Cor do Som", ao "z" de Stefan Zweig, passando por É o Tchan e Wittgenstein.
Nenhum desses quatro, claro, está entre os recordistas de menções. A colheita em cadernos como Ilustrada, Mais! e Jornal de Resenhas e Letras (que deixaram de circular) evidencia o incontornável: pessoas que tatuaram a cultura brasileira dos anos 60, 70 e 80, e que continuam pole positions neste 2004, são os campeões, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Zé Celso Martinez Corrêa. Gigantes passados, como Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim, também são bem presentes.
Mas a quantidade de referências a alguns nomes que décadas anteriores não conheciam, ou que estavam começando a conhecer, indica que nos anos 90 nem tudo foi retrovisor.
Walter Salles, Beto Brant, Fernando Meirelles e muitos outros no cinema, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (a Osesp), na música erudita, "Cidade de Deus", na literatura e nas telas, Marisa Monte e os cometas Cássia Eller e Chico Science, na música popular, o grupo Corpo, na dança, Antônio Araújo e seu Teatro da Vertigem, no teatro, e outros tantos e tantos exemplos apareceram ou se firmaram na década e mais um pouquinho de "Em Branco e Preto".
As introduções dos organizadores do livro -e também o posfácio de Coelho- indicam que os brancos e pretos das letras negras sobre o papel-jornal permitem um retrato até que colorido.
O início do texto de Butcher, que compila datas e títulos publicados na Folha, é ótimo exemplo: "23 de maio de 1990: "Gramado reflete a crise do cinema brasileiro". 5 de maio de 1991: "Cinema brasileiro muda de emprego". 20 de dezembro de 1995: "Brasil vive boom cinematográfico". 23 de fevereiro de 1998: "Central do Brasil" ganha Festival de Berlim". 1º de janeiro de 2004: "Público do filme nacional cresce 200% em 2003'".
O segmento de artigos que ele organizou documenta a extinção da Embrafilme pelo então presidente Fernando Collor, em 1990, a "retomada" a partir de 1995 com "Carlota Joaquina" e os fenômenos de público "Cidade de Deus" e "Carandiru"...
A introdução de Nestrovski sobre música erudita, concentrada nas mudanças no cenário paulistano, segue no mesmo diapasão, com afirmações à "as mudanças foram tantas e de tal natureza que chega a ser difícil de acreditar".
Não que tenha sido moleza. O mesmo Nestrovski diz que para as artes brasileiras em geral foi um período de crescimento, mas foram "tempos difíceis". "Difíceis como todos os tempos", brinca ele, glosando Jorge Luis Borges.
Os tempos, ou melhor, suas artes, foram a prioridade em "Em Branco e Preto". "Não se trata de uma antologia dos melhores textos sobre o assunto publicados no jornal. As artes vêm sempre antes, na escala de importância do livro", adverte seu organizador.
Nestrovski diz que a idéia é que o volume tenha vida própria, mas que ele é organicamente relacionado a outros dois trabalhos que ele organizou, "Figuras do Brasil" (esta sim uma antologia de melhores textos da Folha) e os dois tomos de "Memórias do Presente/100 Entrevistas do Mais!".
O trabalho deve seguir adiante. A maré não está para os peixes.


LANÇAMENTO DE "EM BRANCO E PRETO". Quando: hoje, a partir das 11h. Onde: livraria Cultura/Conjunto Nacional (av. Paulista, 2.073, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/3170-4033).


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