São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2004

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LIVROS

FÁBULA

Clássico de James Barrie é lançado com tradução de Paulo Mendes Campos

"Peter Pan" esconde perversidade que também agrada aos adultos

Divulgação
Cena do longa-metragem "Peter Pan", dirigido por P. J. Hogan; livro de James Barrie sai com tradução de Paulo Mendes Campos


MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Peter Pan é como Dom Juan. Ambos escaparam das malhas da ficção e acabaram mais famosos que seu criador. O menino que não queria crescer estrelou diversos musicais, filmes (de animação ou não), um da lavra de seu mais notório fã, Steven Spielberg. Até livro de auto-ajuda já ajudou a vender.
O que pouca gente sabe é que o líder dos Garotos Perdidos apareceu primeiramente numa história que James Barrie (1860-1937) escreveu para os filhos de sua amiga Sylvia Llewelyn Davies, em 1902. Dois anos mais tarde, Pan conquistou o estrelato numa peça de sucesso. A história, tal como a conhecemos hoje, vem dessa versão teatral que, no dia 27 de dezembro, completa cem anos.
Em 1911, Barrie publicou uma variante romanesca da história, chamada "Peter e Wendy". Muitos críticos lamentam que o êxito de "Peter Pan" tenha marcado a estagnação da carreira promissora do jornalista escocês, que antes produzira saborosas farsas e cenas da vida cotidiana.
Não que "Peter Pan" seja um primor da literatura ou do drama, mas a agilidade das cenas, o bom humor e a presença de elementos arquetípicos garantiram-lhe a imortalidade. A obra ganhou a fama de história para crianças, mas há nela uma certa perversidade oculta que agrada aos adultos.
Dizem que Peter Pan foi uma homenagem de Barrie a seu irmão mais velho, David, morto num acidente aos 13 anos. A mãe, Margaret, nunca se recuperou do choque, e o mito que ela passou a acalentar, da juventude eterna do defuntinho, foi transplantado para a peça. A Terra do Nunca não é apenas o lar da infância imutável ou o berço ideal da arte: é ainda o terreno da morte.
A vida e as idéias de Barrie voltaram recentemente à baila com uma biografia romanceada do crítico e escritor argentino Rodrigo Fresán. "Jardins de Kensington" saiu em 2003 e, no mês passado, foi lançado na França. Fresán defende o conceito de que a infância não é um paraíso perdido, mas, proustianamente, "um paraíso do qual se recorda".
O afeto extremoso que Barrie nutria pela mãe também reflete em "Peter Pan". De pronto, estabelece-se um triângulo amoroso entre a fada Sininho (a amante ardilosa), Wendy (a "mãe" benfazeja) e Peter Pan. Todos almejam os carinhos maternais de Wendy: os Garotos Perdidos e até os piratas do Capitão Gancho, cujos instintos malignos ameaçam perverter o sentimento altruísta da menina-moça.
Gancho propõe salvar a vida de Wendy se ela concordar em ser sua mãe. Mas a garota responde: "Preferia não ter filho!". Antes, suas palavras para os Garotos Perdidos, prestes a morrer na prancha, não poderiam ser mais representativas da ufania imperialista britânica: "Espero que meus filhos morram como filhos da Inglaterra!".
Os leitores brasileiros de "Peter Pan" têm um motivo extra para apreciarem a obra: a tradução e adaptação feita por Paulo Mendes Campos (1922-1991). O escritor mineiro, da trupe de Fernando Sabino e Otto Lara Resende, foi, além de poeta, jornalista e cronista, um excelente tradutor, tendo vertido Shakespeare, Oscar Wilde e John Ruskin.
Mendes Campos tem até hoje, nessa área, admiradores ilustres. Em trecho não publicado de recente entrevista à Folha, o escritor lusitano Lobo Antunes defendeu-o como autor da melhor versão de Dylan Thomas para o português. Trata-se do poema "Depois do Enterro", que está no esgotado "Diário da Tarde". Lobo Antunes acrescenta que o mineiro anda "um pouco esquecido em toda a parte".
A adaptação de Mendes Campos, baseada no romance posterior de Barrie (não na peça), mantém a graça e a espontaneidade do original por meio de expressões e fraseado tipicamente brasileiros.
A Ediouro está recuperando as versões do escritor para algumas obras clássicas infanto-juvenis. A primeira foi "A Volta do Mundo em Oitenta Dias". A próxima será "Vinte Mil Léguas Submarinas", com lançamento previsto para fevereiro de 2005.
A mão do poeta mineiro garante uma estrela a mais ao texto de James Barrie.


Peter Pan
   
Autor: James Barrie
Tradução: Paulo Mendes Campos
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 24,90 (104 págs.)



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