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LIVROS
FÁBULA
Clássico de James Barrie é lançado com tradução de Paulo Mendes Campos
"Peter Pan" esconde perversidade que também agrada aos adultos
Divulgação
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Cena do longa-metragem "Peter Pan", dirigido por P. J. Hogan; livro de James Barrie sai com tradução de Paulo Mendes Campos |
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Peter Pan é como Dom Juan.
Ambos escaparam das malhas da ficção e acabaram mais famosos que seu criador. O menino
que não queria crescer estrelou
diversos musicais, filmes (de animação ou não), um da lavra de
seu mais notório fã, Steven Spielberg. Até livro de auto-ajuda já
ajudou a vender.
O que pouca gente sabe é que o
líder dos Garotos Perdidos apareceu primeiramente numa história
que James Barrie (1860-1937) escreveu para os filhos de sua amiga
Sylvia Llewelyn Davies, em 1902.
Dois anos mais tarde, Pan conquistou o estrelato numa peça de
sucesso. A história, tal como a conhecemos hoje, vem dessa versão
teatral que, no dia 27 de dezembro, completa cem anos.
Em 1911, Barrie publicou uma
variante romanesca da história,
chamada "Peter e Wendy". Muitos críticos lamentam que o êxito
de "Peter Pan" tenha marcado a
estagnação da carreira promissora do jornalista escocês, que antes
produzira saborosas farsas e cenas da vida cotidiana.
Não que "Peter Pan" seja um
primor da literatura ou do drama,
mas a agilidade das cenas, o bom
humor e a presença de elementos
arquetípicos garantiram-lhe a
imortalidade. A obra ganhou a fama de história para crianças, mas
há nela uma certa perversidade
oculta que agrada aos adultos.
Dizem que Peter Pan foi uma
homenagem de Barrie a seu irmão mais velho, David, morto
num acidente aos 13 anos. A mãe,
Margaret, nunca se recuperou do
choque, e o mito que ela passou a
acalentar, da juventude eterna do
defuntinho, foi transplantado para a peça. A Terra do Nunca não é
apenas o lar da infância imutável
ou o berço ideal da arte: é ainda o
terreno da morte.
A vida e as idéias de Barrie voltaram recentemente à baila com
uma biografia romanceada do
crítico e escritor argentino Rodrigo Fresán. "Jardins de Kensington" saiu em 2003 e, no mês passado, foi lançado na França. Fresán defende o conceito de que a
infância não é um paraíso perdido, mas, proustianamente, "um
paraíso do qual se recorda".
O afeto extremoso que Barrie
nutria pela mãe também reflete
em "Peter Pan". De pronto, estabelece-se um triângulo amoroso
entre a fada Sininho (a amante ardilosa), Wendy (a "mãe" benfazeja) e Peter Pan. Todos almejam os
carinhos maternais de Wendy: os
Garotos Perdidos e até os piratas
do Capitão Gancho, cujos instintos malignos ameaçam perverter
o sentimento altruísta da menina-moça.
Gancho propõe salvar a vida de
Wendy se ela concordar em ser
sua mãe. Mas a garota responde:
"Preferia não ter filho!". Antes,
suas palavras para os Garotos Perdidos, prestes a morrer na prancha, não poderiam ser mais representativas da ufania imperialista
britânica: "Espero que meus filhos morram como filhos da Inglaterra!".
Os leitores brasileiros de "Peter
Pan" têm um motivo extra para
apreciarem a obra: a tradução e
adaptação feita por Paulo Mendes
Campos (1922-1991). O escritor
mineiro, da trupe de Fernando
Sabino e Otto Lara Resende, foi,
além de poeta, jornalista e cronista, um excelente tradutor, tendo
vertido Shakespeare, Oscar Wilde
e John Ruskin.
Mendes Campos tem até hoje,
nessa área, admiradores ilustres.
Em trecho não publicado de recente entrevista à Folha, o escritor
lusitano Lobo Antunes defendeu-o como autor da melhor versão de
Dylan Thomas para o português.
Trata-se do poema "Depois do
Enterro", que está no esgotado
"Diário da Tarde". Lobo Antunes
acrescenta que o mineiro anda
"um pouco esquecido em toda a
parte".
A adaptação de Mendes Campos, baseada no romance posterior de Barrie (não na peça), mantém a graça e a espontaneidade do
original por meio de expressões e
fraseado tipicamente brasileiros.
A Ediouro está recuperando as
versões do escritor para algumas
obras clássicas infanto-juvenis. A
primeira foi "A Volta do Mundo
em Oitenta Dias". A próxima será
"Vinte Mil Léguas Submarinas",
com lançamento previsto para fevereiro de 2005.
A mão do poeta mineiro garante uma estrela a mais ao texto de
James Barrie.
Peter Pan
Autor: James Barrie
Tradução: Paulo Mendes Campos
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 24,90 (104 págs.)
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