São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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Filme propõe inventário da memória escrava

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Logo no início de "Família Alcântara", uma das integrantes do clã mineiro observa que, da bagagem de seu primeiro ancestral a pisar no Brasil, não constava nada mais do que a mente. É, pois, uma espécie de inventário dessa memória, único recanto de liberdade do homem tornado escravo nas paragens tupiniquins, o que o documentário propõe.
Das reminiscências sussurradas pela matriarca Filomena Tomásia à teatralização do nascimento do mais novo integrante dos Alcântara, o documentário procura reproduzir os fluxos de informação que fazem circular entre a família tradições e mitos que, por força da repetição, da reverência, da crença e do encanto, adquirem caráter de verdade.
É assim, por exemplo, quando, em um dos depoimentos mais interessantes do filme, Chico do Canangue, único morador de uma extinta comunidade, comenta as festas noturnas que, segundo detalha, os escravos continuam a realizar.
Em sua entrecortada e iliterata narrativa, Chico concentra séculos de resistência cultural. Entre tímido e matreiro, com seu cachimbo e seu sorriso, é -ele mesmo- "griô" mais próximo do irreal do que do terreno, ora saci, ora preto velho a falar de espíritos com um quê de loucura e de ingenuidade -ancestrais artimanhas de sobrevivência?
Se, por equívoco, os iorubás têm mais preponderância cultural e histórica do que os bantos, essa é uma questão importante, mas que felizmente subjaz à motivação dos irmãos realizadores, que acertadamente não a levam para a tela.
No canto coral dos Alcântara, músicas católicas, canções de inspiração tribal e hinos gospel se entrecruzam com entusiasmo e naturalidade. O documentário ouve o recado dos mineiros, plural e uníssono: não interessa à diáspora negra encerrar-se em estratos. Suficientemente divididas já chegaram as muitas "nações" africanas à América. (DENISE MOTA)


FAMÍLIA ALCÂNTARA    


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