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CINEMA
Novos Baianos curam ressaca de "Lula"
Criatividade e anarquia dos músicos substituem heroísmo no primeiro documentário da mostra competitiva de Brasília
"Filhos de João, Admirável
Mundo Novo Baiano", que
demorou 11 anos para ser
concluído, deixa cronologia
de lado para contar causos
ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Refeito da ressaca de "Lula, o
Filho do Brasil", filme convidado para a abertura, o Festival de
Cinema de Brasília abriu sua
tela para um outro Nordeste -
com menos cactos e muito mais
anarquia. À retidão unidimensional de Dona Lindu (Glória
Pires), mãe de Lula no filme dirigido por Fábio Barreto, contrapôs-se, na noite de quarta-feira, o vale-tudo criativo dos
Novos Baianos.
"Filhos de João, Admirável
Mundo Novo Baiano", primeiro título da mostra competitiva, tirou do ambiente o tom
épico e respeitoso. Na sala de
exibição, o clima passou a ser
aquele do "besta é tu, besta é
tu", um dos versos imortalizados pelo grupo que, entre os
anos 60 e 70, bagunçou o coreto
no Brasil sisudo da ditadura.
Ao subir ao palco para apresentar equipe e músicos, o diretor Henrique Dantas, ele próprio baiano, disse que levou 11
anos para concluir a produção e
definiu o trabalho como um
"filme de várias gerações". Poderia defini-lo também com
um filme de vários Brasis.
Por meio dos integrantes dos
Novos Baianos, todos egressos
das classes humildes da Bahia,
somos levados a conhecer desde o país refinado de João Gilberto até o país repressor de
Emílio Garrastazu Médici. Mas
a câmera deixa claro de que lugar falará. Logo de cara, a tela é
ocupada por uma bola de futebol. Chutada por pés descalços.
Num chão de terra batida.
Bíblia e futebol
"Eles foram uma novidade
estética, musical e comportamental", resume Solano Ribeiro. "Isso foi uma pequena manifestação do absoluto", tenta
definir Tom Zé, que arranca risos da plateia em vários momentos do filme.
Com entrevistas e imagens
de arquivo, "Filhos de João"
tenta recompor essa história de
maneira livre. "A gente ia escrevendo as composições na parede da pensão. Chegou uma hora
que tava a parede todinha riscada", relata, por exemplo, Moraes Moreira.
A Dantas interessam mais os
causos que cronologia. Ele pode até perder a informação,
mas não perde a piada. É assim
que o público conhece o apartamento em que, para desespero
da vizinha, disputavam partidas de futebol, e descobre a história da Bíblia que, sem opções,
foi usada para enrolar baseados
e "ficou fininha, fininha".
Libertários, os Novos Baianos chegaram a investir todo o
dinheiro de um disco, pago pela
Som Livre, em uniformes para
seu próprio time de futebol.
Paixão doentia, o futebol era,
inclusive, o único motivo de
discussão nos tempos da comunidade que formaram em Jacarepaguá (no Rio de Janeiro).
Artífices do tropicalismo antes mesmo do tropicalismo
existir, Moraes Moreira, Galvão, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor,
Gato Félix e outros velhos baianos fazem parte do país que,
mais do que em heróis, acredita
na batida do pandeiro.
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