São Paulo, sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

Novos Baianos curam ressaca de "Lula"

Criatividade e anarquia dos músicos substituem heroísmo no primeiro documentário da mostra competitiva de Brasília

"Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano", que demorou 11 anos para ser concluído, deixa cronologia de lado para contar causos


ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Refeito da ressaca de "Lula, o Filho do Brasil", filme convidado para a abertura, o Festival de Cinema de Brasília abriu sua tela para um outro Nordeste - com menos cactos e muito mais anarquia. À retidão unidimensional de Dona Lindu (Glória Pires), mãe de Lula no filme dirigido por Fábio Barreto, contrapôs-se, na noite de quarta-feira, o vale-tudo criativo dos Novos Baianos.
"Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano", primeiro título da mostra competitiva, tirou do ambiente o tom épico e respeitoso. Na sala de exibição, o clima passou a ser aquele do "besta é tu, besta é tu", um dos versos imortalizados pelo grupo que, entre os anos 60 e 70, bagunçou o coreto no Brasil sisudo da ditadura.
Ao subir ao palco para apresentar equipe e músicos, o diretor Henrique Dantas, ele próprio baiano, disse que levou 11 anos para concluir a produção e definiu o trabalho como um "filme de várias gerações". Poderia defini-lo também com um filme de vários Brasis.
Por meio dos integrantes dos Novos Baianos, todos egressos das classes humildes da Bahia, somos levados a conhecer desde o país refinado de João Gilberto até o país repressor de Emílio Garrastazu Médici. Mas a câmera deixa claro de que lugar falará. Logo de cara, a tela é ocupada por uma bola de futebol. Chutada por pés descalços. Num chão de terra batida.

Bíblia e futebol
"Eles foram uma novidade estética, musical e comportamental", resume Solano Ribeiro. "Isso foi uma pequena manifestação do absoluto", tenta definir Tom Zé, que arranca risos da plateia em vários momentos do filme.
Com entrevistas e imagens de arquivo, "Filhos de João" tenta recompor essa história de maneira livre. "A gente ia escrevendo as composições na parede da pensão. Chegou uma hora que tava a parede todinha riscada", relata, por exemplo, Moraes Moreira.
A Dantas interessam mais os causos que cronologia. Ele pode até perder a informação, mas não perde a piada. É assim que o público conhece o apartamento em que, para desespero da vizinha, disputavam partidas de futebol, e descobre a história da Bíblia que, sem opções, foi usada para enrolar baseados e "ficou fininha, fininha".
Libertários, os Novos Baianos chegaram a investir todo o dinheiro de um disco, pago pela Som Livre, em uniformes para seu próprio time de futebol. Paixão doentia, o futebol era, inclusive, o único motivo de discussão nos tempos da comunidade que formaram em Jacarepaguá (no Rio de Janeiro).
Artífices do tropicalismo antes mesmo do tropicalismo existir, Moraes Moreira, Galvão, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Gato Félix e outros velhos baianos fazem parte do país que, mais do que em heróis, acredita na batida do pandeiro.


Texto Anterior: Teatro Cacilda Becker é reaberto após 19 meses
Próximo Texto: Reserva Cultural exibe 8 nacionais inéditos a R$ 6
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.