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Romeno confirma vocação para o absurdo
Diretor Corneliu Porumboiu faz parte de geração que se destaca em festivais
Para cineasta, que lança o filme "Polícia, Adjetivo", produção da Romênia consegue mais visibilidade no exterior do que no país
DA REPORTAGEM LOCAL
No país do dramaturgo Eugène Ionescu (1909-1994), o absurdo parece ser um traço cultural. Ou, no mínimo, uma vocação da arte. Ao menos é o que
indica a inquieta produção cinematográfica que despontou
nestes anos 2000 na Romênia.
"Talvez o absurdo esteja na
nossa própria história", diz o cineasta Corneliu Porumboiu,
premiado no Festival de Cannes, em 2006, por "A Leste de
Bucareste". Em seu novo longa,
"Polícia, Adjetivo", Porumboiu
volta a pisar no terreno onde
improvável e real se fundem.
Entre o niilismo e o humor, o
filme nos aproxima da rotina de
um policial que tem de prender, quase que por capricho dos
superiores, um usuário de haxixe. O rigor formal é outra das
marcas da produção de tempos
largos e silêncios consentidos.
Integrante de uma geração
que tem em Cristi Puiu ("A
Morte de Dante Lazarescu"),
Cristian Mungiu ("Quatro Meses, Três Semanas e Dois Dias")
e Catalin Mitulescu ("Como
Comemorei o Fim do Mundo")
os principais expoentes, Porumboiu custa a entender o sucesso. "Nenhum de nós esperava por isso", diz em entrevista à
Folha, por telefone, de Bucareste.
(ANA PAULA SOUSA)
FOLHA - No novo filme, como em
"A Leste de Bucareste", você, com
humor, faz uma crítica dura às instituições romenas, ao atraso do país.
Você recebe apoio do governo para
fazer esses filmes?
CORNELIU PORUMBOIU - Sim, todos nós recebemos apoio do
Centro Nacional de Cinematografia, que promove concursos
públicos. Os vencedores têm
metade do orçamento bancado
pelo governo. A outra metade,
completei com o dinheiro de
"A Leste de Bucareste".
FOLHA - Você ganhou esse dinheiro com as vendas internacionais?
PORUMBOIU - Para mais de 30
países. Na Romênia, não recebi
praticamente nada. Temos
poucas salas aqui. Foram quase
todas fechadas nos anos 1990.
FOLHA - Os filmes romenos têm
viajado muito e recebido inúmeros
prêmios. Mas, pelo visto, em casa é
diferente.
PORUMBOIU - Sim, nossos filmes viajam muito, mas temos
dificuldade de chegar ao nosso
público. Os espectadores querem ver filmes de Hollywood.
Mas, com o reconhecimento no
exterior, isso vem mudando.
FOLHA - A que você atribui esse reconhecimento internacional?
PORUMBOIU - Acho que falamos
de pessoas reais, de problemas
reais. Nosso cinema tem frescor, não imita outro cinema.
Mas é difícil explicar porque
estou nesse movimento. Não
esperávamos por esse sucesso.
FOLHA - Esse cinema romeno dos
anos 2000, o primeiro depois do fim
do comunismo, pode ser considerado um movimento?
PORUMBOIU - Estudamos quase
todos na mesma escola, na
mesma universidade, e temos
uma espécie de coletividade.
Tivemos de começar do zero.
Na década de 1990, o país fazia
um filme por ano.
FOLHA - Vocês também parecem
ter em comum uma linguagem.
PORUMBOIU - Temos um senso
comum de cinema, pensamos
em como contar uma história,
no significado do tempo no cinema.
FOLHA - A que se contrapõem?
PORUMBOIU - Ao tempo acelerado de Hollywood e da TV,
que tem muita força aqui.
Quando era adolescente, eu via
"A Escrava Isaura" [risos]. Penso no cinema como um outro
mundo, uma outra forma.
FOLHA - Por isso o seu policial, ao
contrário dos policiais da TV ou de
Hollywood, passa boa parte do tempo parado?
PORUMBOIU - O tempo, no cinema, é o que dá sentido à história, mas a maioria dos filmes
quer contar uma história o
mais rápido possível. O tempo
é a mais rica dimensão do cinema e, hoje, talvez uma das menos exploradas. Os filmes policiais são cheios de ação, mas
um detetive passa muito tempo parado, esperando.
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