São Paulo, sexta-feira, 20 de novembro de 2009

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Romeno confirma vocação para o absurdo

Diretor Corneliu Porumboiu faz parte de geração que se destaca em festivais

Para cineasta, que lança o filme "Polícia, Adjetivo", produção da Romênia consegue mais visibilidade no exterior do que no país


DA REPORTAGEM LOCAL

No país do dramaturgo Eugène Ionescu (1909-1994), o absurdo parece ser um traço cultural. Ou, no mínimo, uma vocação da arte. Ao menos é o que indica a inquieta produção cinematográfica que despontou nestes anos 2000 na Romênia.
"Talvez o absurdo esteja na nossa própria história", diz o cineasta Corneliu Porumboiu, premiado no Festival de Cannes, em 2006, por "A Leste de Bucareste". Em seu novo longa, "Polícia, Adjetivo", Porumboiu volta a pisar no terreno onde improvável e real se fundem.
Entre o niilismo e o humor, o filme nos aproxima da rotina de um policial que tem de prender, quase que por capricho dos superiores, um usuário de haxixe. O rigor formal é outra das marcas da produção de tempos largos e silêncios consentidos.
Integrante de uma geração que tem em Cristi Puiu ("A Morte de Dante Lazarescu"), Cristian Mungiu ("Quatro Meses, Três Semanas e Dois Dias") e Catalin Mitulescu ("Como Comemorei o Fim do Mundo") os principais expoentes, Porumboiu custa a entender o sucesso. "Nenhum de nós esperava por isso", diz em entrevista à Folha, por telefone, de Bucareste. (ANA PAULA SOUSA)

 

FOLHA - No novo filme, como em "A Leste de Bucareste", você, com humor, faz uma crítica dura às instituições romenas, ao atraso do país. Você recebe apoio do governo para fazer esses filmes?
CORNELIU PORUMBOIU
- Sim, todos nós recebemos apoio do Centro Nacional de Cinematografia, que promove concursos públicos. Os vencedores têm metade do orçamento bancado pelo governo. A outra metade, completei com o dinheiro de "A Leste de Bucareste".

FOLHA - Você ganhou esse dinheiro com as vendas internacionais?
PORUMBOIU
- Para mais de 30 países. Na Romênia, não recebi praticamente nada. Temos poucas salas aqui. Foram quase todas fechadas nos anos 1990.

FOLHA - Os filmes romenos têm viajado muito e recebido inúmeros prêmios. Mas, pelo visto, em casa é diferente.
PORUMBOIU
- Sim, nossos filmes viajam muito, mas temos dificuldade de chegar ao nosso público. Os espectadores querem ver filmes de Hollywood. Mas, com o reconhecimento no exterior, isso vem mudando.

FOLHA - A que você atribui esse reconhecimento internacional?
PORUMBOIU
- Acho que falamos de pessoas reais, de problemas reais. Nosso cinema tem frescor, não imita outro cinema. Mas é difícil explicar porque estou nesse movimento. Não esperávamos por esse sucesso.

FOLHA - Esse cinema romeno dos anos 2000, o primeiro depois do fim do comunismo, pode ser considerado um movimento?
PORUMBOIU
- Estudamos quase todos na mesma escola, na mesma universidade, e temos uma espécie de coletividade. Tivemos de começar do zero. Na década de 1990, o país fazia um filme por ano.

FOLHA - Vocês também parecem ter em comum uma linguagem.
PORUMBOIU
- Temos um senso comum de cinema, pensamos em como contar uma história, no significado do tempo no cinema.

FOLHA - A que se contrapõem?
PORUMBOIU
- Ao tempo acelerado de Hollywood e da TV, que tem muita força aqui. Quando era adolescente, eu via "A Escrava Isaura" [risos]. Penso no cinema como um outro mundo, uma outra forma.

FOLHA - Por isso o seu policial, ao contrário dos policiais da TV ou de Hollywood, passa boa parte do tempo parado?
PORUMBOIU
- O tempo, no cinema, é o que dá sentido à história, mas a maioria dos filmes quer contar uma história o mais rápido possível. O tempo é a mais rica dimensão do cinema e, hoje, talvez uma das menos exploradas. Os filmes policiais são cheios de ação, mas um detetive passa muito tempo parado, esperando.


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