São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

livros

Capa constrói o próprio mito em crônica de guerra

Livro de 1947, até hoje inédito no Brasil, revela fotógrafo disposto a tudo

Relato bem-humorado mostra que o maior retratista de guerra da história tinha, acima de tudo, alma de jogador

ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO

O pôquer é, tanto quanto as trincheiras, parte essencial do relato que Robert Capa nos oferece em "Ligeiramente Fora de Foco".
O fotógrafo que entrou para a história por ter mostrado, das guerras, cenas que ninguém mostrou, pôs os pés em terrenos minados e largou amores pelo caminho para captar imagens na Guerra Civil da Espanha, na China e no palco europeu da Segunda Guerra Mundial.
O que o levou ao coração das trevas? "Sou um jogador", diz, na autobiografia. "O correspondente de guerra tem sua aposta (sua vida) nas próprias mãos e pode colocá-la neste ou naquele cavalo ou pode colocá-la de volta no bolso no último minuto."
As fichas, no seu caso, nunca iam parar no bolso. Nem na guerra nem nas partidas de pôquer que jogava de trincheira em trincheira, quase sempre com sucesso.
O livro, agora lançado aqui, começa com a carta da revista "Collier's" que, em 1942, decidiu contratá-lo.
Ao embarcar num navio inglês, caiu nas graças do comodoro: o homem não tinha dúvidas de que se tratava de Frank Capra, o cineasta.
Para a "Collier's", fez as imagens dos feridos que acabavam de desembarcar de um avião. Odiou o que fez.
"Com aqueles bem-sucedidos rolos de filme, senti ódio de mim e de minha profissão.
Esse tipo de fotografia era para agentes funerários, e eu não gostava de ser um deles.
Se eu tinha de participar do funeral, jurei, teria de participar da procissão." Foi o que fez desde então.
"Me arrastei de montanha em montanha (...), tirando fotos de lama, miséria e morte", relata. "Quanto mais alto eu subia, menor a distância entre os mortos. Eu não conseguia mais olhar. Fui tropeçando até o topo."

CAPA BURBERRY
Capa fez as primeiras imagens da invasão da Sicília, do desembarque das tropas americanas na praia da Omaha, na Normandia, e da libertação de Paris.
"O que faz as fotos ainda terem força é a emoção no olhar daquelas pessoas, o medo", diz Cynthia Young, curadora do arquivo de Capa, em Nova York.
Young, que já respondeu dezenas de vezes à pergunta sobre a suposta montagem da célebre foto de um soldado que cai, atingido por uma bala, na guerra da Espanha, acha que a própria controvérsia faz parte do mito Capa.
O fotógrafo que comprou uma capa Burberry para chegar charmoso ao Dia D, organizou uma festa para Ernest Hemingway em plena guerra, namorou Ingrid Bergman e sempre conseguia achar, não só o melhor ângulo, mas também o esconderijo do uísque, é, de fato, tão surpreendente quanto suas imagens.

LIGEIRAMENTE FORA DE FOCO

AUTOR Robert Capa
TRADUÇÃO José Rubens Siqueira
EDITORA CosacNaify
QUANTO R$ 60 (296 págs.)


Texto Anterior: Crítica/MPB: Ousado, Roberto canta até clássico de Sinatra em turnê
Próximo Texto: Com Steinbeck, fotógrafo foi à Rússia de Stálin
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.