|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
livros
Capa constrói o próprio mito em crônica de guerra
Livro de 1947, até hoje inédito no Brasil, revela fotógrafo disposto a tudo
Relato bem-humorado mostra que o maior retratista de guerra da história tinha, acima de tudo, alma de jogador
ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO
O pôquer é, tanto quanto
as trincheiras, parte essencial do relato que Robert Capa nos oferece em "Ligeiramente Fora de Foco".
O fotógrafo que entrou para a história por ter mostrado, das guerras, cenas que
ninguém mostrou, pôs os pés
em terrenos minados e largou amores pelo caminho
para captar imagens na
Guerra Civil da Espanha, na
China e no palco europeu da
Segunda Guerra Mundial.
O que o levou ao coração
das trevas? "Sou um jogador", diz, na autobiografia.
"O correspondente de guerra
tem sua aposta (sua vida) nas
próprias mãos e pode colocá-la neste ou naquele cavalo ou
pode colocá-la de volta no
bolso no último minuto."
As fichas, no seu caso,
nunca iam parar no bolso.
Nem na guerra nem nas partidas de pôquer que jogava
de trincheira em trincheira,
quase sempre com sucesso.
O livro, agora lançado
aqui, começa com a carta da
revista "Collier's" que, em
1942, decidiu contratá-lo.
Ao embarcar num navio
inglês, caiu nas graças do comodoro: o homem não tinha
dúvidas de que se tratava de
Frank Capra, o cineasta.
Para a "Collier's", fez as
imagens dos feridos que acabavam de desembarcar de
um avião. Odiou o que fez.
"Com aqueles bem-sucedidos rolos de filme, senti ódio
de mim e de minha profissão.
Esse tipo de fotografia era para agentes funerários, e eu
não gostava de ser um deles.
Se eu tinha de participar do
funeral, jurei, teria de participar da procissão."
Foi o que fez desde então.
"Me arrastei de montanha
em montanha (...), tirando
fotos de lama, miséria e morte", relata. "Quanto mais alto
eu subia, menor a distância
entre os mortos. Eu não conseguia mais olhar. Fui tropeçando até o topo."
CAPA BURBERRY
Capa fez as primeiras imagens da invasão da Sicília, do
desembarque das tropas
americanas na praia da Omaha, na Normandia, e da libertação de Paris.
"O que faz as fotos ainda
terem força é a emoção no
olhar daquelas pessoas, o
medo", diz Cynthia Young,
curadora do arquivo de Capa, em Nova York.
Young, que já respondeu
dezenas de vezes à pergunta
sobre a suposta montagem
da célebre foto de um soldado que cai, atingido por uma
bala, na guerra da Espanha,
acha que a própria controvérsia faz parte do mito Capa.
O fotógrafo que comprou
uma capa Burberry para chegar charmoso ao Dia D, organizou uma festa para Ernest
Hemingway em plena guerra, namorou Ingrid Bergman
e sempre conseguia achar,
não só o melhor ângulo, mas
também o esconderijo do uísque, é, de fato, tão surpreendente quanto suas imagens.
LIGEIRAMENTE FORA
DE FOCO
AUTOR Robert Capa
TRADUÇÃO José Rubens Siqueira
EDITORA CosacNaify
QUANTO R$ 60 (296 págs.)
Texto Anterior: Crítica/MPB: Ousado, Roberto canta até clássico de Sinatra em turnê Próximo Texto: Com Steinbeck, fotógrafo foi à Rússia de Stálin Índice | Comunicar Erros
|