São Paulo, Segunda-feira, 20 de Dezembro de 1999


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TAXI DRIVER

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Travis, o herói de "Taxi Driver", é o homem mais solitário do mundo. E também o mais insone. Faz dupla jornada como taxistaporque não consegue dormir.
Quando arranja uma namorada, sua primeira providência é levá-la a ver um desses filmes "científicos" sobre sexo -o pornô da era pré-pornô. Travis não o faz por mal: ele o assiste como se estivesse vendo "O Mágico de Oz". A garota (Cybill Shepherd) abandona-o, dizendo que "pertencem a mundos diferentes".
Com efeito. Mas o tempo mostrará que Travis não pertence a mundo algum, já que nada nele é partilhável. Tudo começa e termina em sua cabeça.
O mistério desse filme é como conseguiu fazer sucesso, de maneira tão duradoura, a partir de um personagem tão raro?
Tentemos algumas hipóteses. Em primeiro lugar, Martin Scorsese não se afasta da tradição do herói americano do cinema moderno. Travis é um herói e um delinquente, um santo e um boçal.
A essa linhagem que o filme noir desenvolveu com gênio, Scorsese introduz uma variante religiosa. Travis é movido por um sentimento moral extremado, pela necessidade de limpar o mundo de sua podridão. A questão é: ao fazê-lo, estará efetivamente se tornando um herói ou acrescentando mais podridão a esse mundo?
Está certo, a horas tantas decide trucidar o gigolô (Harvey Keitel) de Iris (Jodie Foster), uma menina de 12 anos. Por que o faz? Talvez por ter sido largado no cinema pela namorada. Talvez porque para um homem insone tudo se torne um sonho, e isso seja apenas um sonho. Talvez, ainda, porque não suporte a impureza.
Scorsese sustenta até o final a ambiguidade de seu "santo". Basta atentar a dois planos em que seu olhar é colocado em destaque. Num, o olhar sorri, delicado, angelical. No outro, fecha-se, torna-se duro, ameaçador.
A rigor Travis não é diferente de qualquer outro homem que encerra em si contradições. A única diferença é de medida: tudo nele é exacerbado, paroxístico.
Revisto hoje, "Taxi Driver" parece fechar uma era em que o cinema acreditava piamente nas coisas e mostrá-las, não como signos, mas como coisas mesmo.
Talvez o católico Scorsese seja o último grande cineasta a cultivar a fé nas imagens (no caso, ajudado pelo protestante Paul Schrader), na possibilidade de revelar o que está nos objetos e nas pessoas.
Por mais diferentes que sejam, Brian De Palma, Spielberg ou Coppola enveredaram pelo caminho da fantasia, da citação pós-moderna, da aventura infanto-juvenil à moda dos anos 30.
Scorsese permaneceu fiel ao cinema de feitura clássica, de crença absoluta no cinema como instrumento capaz de recuperar o real. Isso é o que é "Taxi Driver". Um documento (não documentário) sobre a sordidez dessa Nova York que Scorsese ama e que sabe filmar como ninguém, em travellings noturnos leves, sorrateiros, onde a música enfatiza a beleza insensata e melancólica.

Avaliação:    

DVD: Taxi Driver - O Motorista de Táxi Título original: Taxi Driver Legendas: português, espanhol, inglês,coreano, chinês, tailandês Tela: widescreen e standard Extras: making of e filmografias Produção: EUA, 1976 Distribuição: Columbia

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