São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 2000

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Nos 20 anos de morte do escritor, documento retrata estilo que teve início na redação

O repórter que inventou o dramaturgo
Flávio Florido/Folha Imagem
Cena de "Beijo no Asfalto", com o Círculo de Comediantes, que fará ensaios abertos da peça em SP, a partir de hoje, nos 20 anos da morte de Nelson Rodrigues



Pesquisador Caco Coelho levanta "O Baú de Nelson Rodrigues", que rastreia jornais dos anos de 1927 a 1935

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

É difícil identificar fonte primária em se tratando de quem, aos 8 anos, já elegia o adultério como tema de redação escolar. Mas o exercício da função de repórter foi uma das escolas fundamentais para Nelson Rodrigues (1910-80), o maior dramaturgo brasileiro.
Ruy Castro pincelou tal perspectiva na biografia "O Anjo Pornográfico" (Companhia das Letras, 92), abrindo caminho para resgate de contos, crônicas e romances de folhetim no encalço das 17 peças. Mas só agora vem à tona uma pesquisa mais acurada sobre o que Nelson Rodrigues verteu para as folhas de jornais antes de enveredar pelo teatro.
Amanhã, quando se completam 20 anos da morte do autor de "Vestido de Noiva" (1943), o pesquisador Caco Coelho entrega ao Instituto RioArte "O Baú de Nelson Rodrigues", documento que rastreia textos nos jornais "A Manhã", "Crítica" e "O Globo", entre 1927 e 1935.
Consultando os respectivos arquivos, em "O Globo" ou na Biblioteca Nacional do Rio, Coelho levantou em folhas amarelecidas uma produção de 80 meses. Identificou 640 reportagens que atribui a Nelson Rodrigues, por já esboçarem o seu estilo, embora não tragam sua assinatura.
Nelson tinha fixação por casos passionais. Apurando os crimes nas delegacias, por telefone, ou indo às ruas nas "caravanas" (dupla de repórteres e um fotógrafo), ele cometia relatos que abusavam do nariz-de-cera, jargão jornalístico para um texto que faz longa introdução antes de ir aos fatos.
Em 25 de dezembro de 1928, em "Crítica", por exemplo, o assunto é suicídio: "Enquanto todas as criaturas, tendo o coração tocado dos influxos da religação, se preparavam para a comemoração de um dos maiores dias da humanidade -o de Natal, em que o aconchego do lar se torna mais amorável, mais terno, até comovente pela procissão de imagens do passado que, desfelinda na evocação e na memória, aos nossos olhos se esgarçam-, duas criaturas faziam sua vida desaparecer nos vortilhões timbraços da noite". Eis apenas o início.
"Ele usava expressões da época que não encontramos hoje no "Aurélio'", diz Coelho (leia texto nesta página). O marco inicial da pesquisa é a série policial que Nelson teria escrito em "A Manhã" a partir de dezembro de 1927.
Além das reportagens, o pesquisador encontrou 36 colunas. Em "A Manhã", jornal que circulou de 1925 a 1928, foram localizadas 16. "O registro anterior era de nove colunas", diz Coelho.
Em "A Crítica" (1928-1930), do qual não se tinha notícia, foram encontradas oito colunas. Em "O Globo", no qual se pensava que o primeiro registro de texto de Nelson seria em 36, uma crítica de ópera, recuperaram-se 36 críticas literárias, correspondentes ao período de 1931 a 1933.
Coelho estima que o documento terá cerca de 700 páginas. Entregará uma cópia para o Instituto RioArte, que lhe concedeu a bolsa para os cinco anos de pesquisa, outra para a família de Nelson Rodrigues e três para bibliotecas públicas do Rio. Sua intenção é publicar o "baú" em livro, mas ainda não encontrou editora.
Nelson Rodrigues morreu na manhã de 21 de dezembro de 1980, aos 68 anos, vítima de trombose e de insuficiência cardíaca, respiratória e circulatória. No domingo passado, o jornal "The New York Times" trouxe uma página inteira sobre o dramaturgo.


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