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CARLOS HEITOR CONY
A curiosa história dos sinais trocados
Nem sabia quando e como
comprara o sofá. Certamente, na primeira mudança que fizera, dois anos após o seu casamento, o primeiro também. Fora
despejado por falta de pagamento, teve de alugar coisa menor, em
bairro pior e em condições piores,
no quarto pequenino não cabia a
cama suntuosa que comprara
quando se casara e esperara melhorar de vida.
O jeito foi vender a cama na rua
do Catete e comprar um sofá que,
à noite, puxando-se uma gaveta
complicada que geralmente emperrava, se transformava num
leito rasteiro e duro. A mulher
não reclamou, era boa pessoa, solidária na fortuna e na pobreza
-conforme prometera ao se casar. Quem reclamou -mas reclamou por pouco tempo- foi ele
mesmo.
Se o casamento deu-lhe azar, o
sofá deu-lhe sorte. Na segunda
noite em que dormira nele, sonhou que ganharia na loteria;
com tal nitidez que, ao acordar,
pegou o dinheiro que guardara
para pagar a primeira prestação e
comprou um bilhete terminado
em 09. Lera no Paulo Coelho que
era preciso entender os sinais e tomara o sonho como um sinal.
Não deu outra. Comprara metade do bilhete 53609 e ganhara
metade do prêmio maior -o que
deu para pagar integralmente o
sofá e, no mês seguinte, mudar-se
para apartamento maior e melhor. A mulher exigiu uma cama
igual à primeira, ele chegou a fazer uma pesquisa nas lojas especializadas, mas mudou de idéia.
Convenceu a mulher de que o sofá-cama lhe dera sorte, falou nos
sinais que aprendera a respeitar,
via Paulo Coelho, a mulher era de
bem, também lia Paulo Coelho,
conformou-se.
Por coincidência, ou pelo poder
miraculoso do Paulo Coelho, a
sorte continuou ao lado dele, ele
arranjou emprego melhor e logo
outro melhor ainda, prosperou
na vida, prosperou tanto que enviuvou -a mulher morrera ao
parir o primeiro filho, que nasceria morto.
Sozinho, sem mulher e sem filho, ele continuou acreditando
que aquela aparente desgraça era
também um sinal, mudou-se novamente, desta vez comprou um
apartamento de dois quartos e
vaga para carro, embora não tivesse carro.
Não tinha carro, mas conheceu
uma professora de inglês que tinha um fusca verde-amazonas,
casaram-se, ou melhor, juntaram-se, pois a mulher era desquitada e ainda não havia divórcio
no Brasil. Ela estranhou aquele
apego ao sofá, exigiu cama melhor, ele teve receio de falar no
prêmio da loteria, nos sinais do
Paulo Coelho, preferiu comprar
uma cama de verdade, mas não
se desfez do sofá. Mandou forrá-lo com um tecido importado, deu
um jeito de colocá-lo na sala, ficou meio estranho, não combinava com os outros móveis, explicou
para a mulher que quando tivessem um hóspede de circunstância,
podiam usar o sofá como cama.
Mesmo assim, desconfiado,
nunca deixou de usar o sofá
quando, aos domingos, dormia
após o almoço. E muitos domingos se passaram, passou também
a professora de inglês, que o
abandonou por um professor de
filosofia que estudara em Heidelberg. Confiante nos sinais e no sofá, ele se casou outra vez, com a
editora de moda de uma revista
semanal, namorou uma guria
que fazia estágio na mesma revista, ia dando um bode porque a
editora pegou os dois no sofá -e
nem era domingo, mas dia de trabalho.
Sozinho outra vez, ele nem reparou que chegara o Natal. Sem a
editora e sem a estagiária, ele não
se programara e não fora convidado para nenhuma ceia, nem tinha motivo para promover uma
ceia solitária para si mesmo. Ficara em casa, olhando as paredes,
mas satisfeito consigo próprio,
pois voltara a dormir no sofá, esperando que novamente o sinal
funcionasse. E, confiando mais no
sofá do que em si próprio, perdeu
o emprego, mudou para apartamento pior, tão pior que nem era
apartamento, mas um quarto-e-sala conjugado em que mal coube
o sofá.
Ruim de vida, continuou bom
de cama, quer dizer, de sofá. No
quarto-e-sala conjugado, passaram vizinhas do prédio que também moravam em quartos conjugados e que também dormiam
em sofás.
No Carnaval de 1990, conheceu
uma mulher gorda e alegre. Se
Machado de Assis a conhecesse,
diria que era uma patusca. Tão
patusca que tinha bens, casas espalhadas pela zona norte e uma
tinturaria em Niterói.
Casaram-se na Igreja Universal
do Reino de Deus -foram morar
em Vila Isabel, na rua Torres Homem, casa de altos e baixos, com
jardim e anão na frente. Ele só entrou consigo mesmo e com o sofá,
pois todo o resto era da mulher,
que continuava gorda e alegre,
até engordara mais porque -dizia ela- "felicidade engorda".
E tanto engordou que ocupava
dois terços da cama -pretexto
que ele invocou para dormir no
sofá. E, dormindo no sofá, sonhou
novamente que ganhara na loteria, mas, ao acordar, não lembrava o número do bilhete premiado.
Achou que aquilo era um sinal
trocado, o sonho anterior lhe dera
sorte, o sonho de agora podia lhe
trazer azar.
Sem saber interpretar o novo sinal, soube que o Paulo Coelho ia
tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Arranjou um convite com dona Carmem e alugou
um traje a rigor para ir à solenidade. Se tivesse oportunidade, exporia o caso do sofá e pediria ajuda para ler aquele sinal.
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