São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

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Mendes "fecha círculo" em festa de final de ano

Criticado por alguns por seu samba "americanizado", ele volta surfando no estouro de "Mas que Nada" em versão "bossa-hop'

Artista diz que quer esquecer críticas e que apresentação com John Legend e Black Eyed Peas vai completar percurso em sua carreira

CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando entrar no palco instalado na praia de Ipanema, no próximo dia 31, Sergio Mendes vai enfrentar uma situação semelhante à encarada por Carmen Miranda, em 1940, no Cassino da Urca.
Recebida com frieza, após um ano de trabalho nos EUA, a cantora amargou naquela noite uma das maiores decepções de sua vida. Sua reação veio meses depois com a gravação do samba "Disseram que Voltei Americanizada".
Se Carmen foi a primeira estrela da música brasileira dirigida ao mercado internacional, Sergio Mendes, que não se apresenta no Brasil há 27 anos, é provavelmente o mais bem-sucedido nessa área -e jamais precisou usar balangandãs ou bananas na cabeça.
Desde 1966, quando sua versão de "Mas que Nada" (de Jorge Ben) se tornou um sucesso mundial, ele já vendeu mais de 15 milhões de discos e fez dezenas de turnês por vários continentes.
"Estou esperando muito esse show, porque esse é um círculo que se completa na minha carreira", diz Mendes, 65, à Folha, por telefone, de uma suíte no hotel Copacabana Palace. "Comecei a tocar aqui no Rio, no Beco das Garrafas, no início dos anos 60. Agora vou fazer esse show na praia de Ipanema. Vai ser fantástico".
Diferentemente de Carmen, que enfrentou sozinha seu traumático reencontro com uma platéia brasileira, Mendes terá em seu show no Nokia New Year's Eve dois aliados de calibre internacional: o cantor John Legend e a banda norte-americana Black Eyed Peas, que o ajudou a conduzir uma nova versão de "Mas que Nada" às paradas de sucesso, 40 anos após sua primeira gravação.
"Já agradeci muito ao Jorge Ben por ele ter escrito "Mas que Nada". Ainda fico impressionado com a força dessa música", diz Mendes, lembrando que conheceu o amigo no Beco das Garrafas e que gravou várias de suas composições desde então.

Bossa para exportação
"Mas que Nada" foi o primeiro sucesso da Brasil'66, banda criada por Mendes no final de 1965, com um conceito diferente do jazz e da bossa nova que marcaram seus primeiros discos. Contando com as vocalistas norte-americanas Lani Hall e Janis Hansen -que cantavam em português, decorando os fonemas-, o pianista conseguiu um som original, mas também passou a receber críticas no Brasil por fazer bossa para exportação.
"Adorei a sonoridade das meninas, cantando juntas de uma maneira simples. Era tudo muito intuitivo. Sempre curti muito essa coisa de experimentar, de achar uma nova cor musical. A gente não falava em crossover, em pop, nada disso", afirma o pianista.
Mendes acha que o alcance da música brasileira no exterior se ampliou nas últimas décadas. "Hoje existe um interesse pelo Brasil bem maior do que na época da explosão da bossa nova. Hoje, além da Gisele Bündchen e do futebol, você toma caipirinha na Alemanha, vê escola de samba no Japão. A música brasileira é vista como uma coisa positiva e sedutora, que continua encantando o mundo", afirma.
"Timeless", o 36º álbum de Mendes, lançado neste ano, inclui participações de nomes de sucesso na área do hip hop e do r&b, como Legend, Stevie Wonder, Erikah Badu, Jill Scott e Q-tip, além dos brasileiros Marcelo D2, Guinga e Quarteto Maogani. A produção ficou a cargo do rapper will.i.am, do Black Eyed Peas. No repertório, destacam-se vários clássicos da MPB, assinados por Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Baden Powell.
"Ele já é disco de ouro no Japão, na Inglaterra, na França, na Alemanha", festeja Mendes, contente por esse álbum ter permitido que sua música seja apresentada às novas gerações. "O pessoal que o está comprando, no mundo inteiro, pertence à faixa etária de 15 a 25 anos", aponta.
O fato de ter se tornado um artista mais popular no exterior do que no Brasil, diz Mendes, já não o incomoda. "Acho normal que isso aconteça, porque tomei a decisão de sair daqui, em 1964. Eu não estou mais presente na mídia brasileira", justifica.

Rótulos
E o que sente ao ver sua música ser classificada no exterior como "easy listening" (de fácil audição)? "Rótulos também não me preocupam, porque eles mudam muito. Já chamaram minha música de samba-jazz, de lounge music, de middle of the road, de muita coisa. Se alguém chamar este meu novo trabalho de bossa hop também não vou me preocupar".
No show do dia 31, Mendes vai liderar uma banda de dez músicos, que inclui os vocais de Gracinha Leporace, sua mulher. "Será, basicamente, um passeio pelo meu repertório. Vai de músicas do meu disco "Brasil '66", que está comemorando 40 anos, até faixas do "Brasileiro", que ganhou o Grammy. E, antes de tudo, vou tocar as músicas do "Timeless"."
Animado pelo reencontro com uma platéia carioca, Mendes diz que prefere esquecer as críticas que já recebeu no passado por fazer música brasileira para exportação. "Não vale a pena ficar com ressentimentos ou pensamentos negativos. Nem posso reclamar de nada, porque o meu percurso tem sido maravilhoso. Dou graças a Deus ao acordar todos os dias."


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