|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONTARDO CALLIGARIS
Presentes para as festas
Nossas tentativas de entender o mundo sempre oscilam entre "zoom in" e "zoom out"
TENHO UM carinho especial pelos livros de imagens de Istvan Banyai. Dois estão disponíveis no Brasil: "Zoom", em sua 16ª
reimpressão (Brinque-Book), e "O
Outro Lado", que acaba de ser publicado (Cosac Naify). São livros sem
palavras, em que a série de imagens
constitui uma história e, ao mesmo
tempo, uma reflexão.
Nesta época de amigos secretos e
de propósitos para o Ano Novo, esses dois pequenos livros são o brinde
que mais gosto de oferecer. Além de
agradar (espero) a adultos e crianças, eles dizem algo essencial sobre
minha maneira de pensar e de viver,
ou melhor, sobre como gostaria de
conseguir pensar e viver.
"O Outro Lado" é, dos dois, o mais
fantasioso e, talvez, o mais complexo. À força de folheá-lo, cheguei a este resumo de sua sabedoria: 1) sempre há um outro lado; 2) vale a pena,
em cada situação, olhar para nós
mesmos do ponto de vista daqueles
que estamos observando; 3) esse esforço não é apenas um jogo no qual
brincaríamos de passar de um lado
ao outro do espelho; 4) tampouco
trata-se apenas de saber se colocar
nos sapatos dos outros (o que já não
seria mal); 5) os desenhos revelam
que, quando a gente se desloca para
o lugar dos outros, quando a gente se
mexe para "o outro lado", algo muda: o resultado final não é só a mesma cena vista de ângulos opostos,
mas é, de repente, uma nova cena.
Veja se você concorda.
"Zoom" é de uma leitura mais
imediata, mas não por isso é menos
rico. Para não estragar o prazer dos
leitores, invento uma seqüência parecida com a do livro, mas diferente
dela: no começo, você vê alguém de
costas, sentado à frente de uma tela
de computador, e imagina que esse
seja o cenário da história que começa. O zoom, afastando seu olhar, amplia o campo visual, e eis que aparece
o seguinte: aquele cenário inicial é
uma propaganda de informática numa revista que está nas mãos de alguém sentado na sala de espera do
dentista.
Antes de decidir que esse seria,
então, o cenário da história, espere:
o zoom vai recuar de novo. E por aí
vai.
"Zoom" pode ser lido do começo
ao fim (sucessão de ampliações do
campo visual - "zoom out") ou do
fim ao começo ("zoom in": aproximação progressiva do nosso olhar,
que, portanto, enxerga de maneira
cada vez mais detalhada, mas também com cada vez menos compreensão do conjunto, que se perde
a cada aproximação).
Para quem lê do começo ao fim, o
livro vale como uma meditação apaziguadora sobre a pouca relevância
das pequenas coisas nas quais encalha o narcisismo da gente -a começar pela nossa própria pessoa.
Ele lembra um pouco aquelas fantasias por meio das quais as crianças
tentam aliviar o fardo do olhar dos
pais, que permanentemente tenta
convencê-las de que elas são seres
únicos e extraordinários.
Nessas fantasias, as crianças imaginam, por exemplo, que nosso "universo" seja apenas um viveiro de
bactérias no ventre de um gigante
-os terremotos e as inundações
sendo, respectivamente, acessos de
tosse ou bebedeiras de nosso hóspede desmedido. E não acaba assim: o
gigante, por sua vez, sem se dar conta, poderia ser um vírus no corpo de
um supergigante, que, por sua vez...
Mas, fora esse exercício salutar,
que encolhe o narcisismo (ele sim,
gigantesco) do qual sofremos normalmente, "Zoom" é também uma
espécie de meditação, por assim dizer, cognitiva. Explico.
Nossas tentativas de entender e
explicar o mundo estão sempre oscilando entre um "zoom in" e um
"zoom out". Ou seja, entre a aproximação máxima que nos permite encontrar a causa de nossos males no
microscópio (invasores invisíveis,
genes, cromossomos etc.) e a distância máxima que nos leva a procurar a
explicação do que acontece, por
exemplo, na disposição dos astros
na hora de nosso nascimento ou no
dia de hoje.
Com isso, alimentamos oposições,
quase sempre estéreis, entre explicações pelo infinitamente pequeno
e explicações pelo quadro mais amplo -no meu campo, entre a descrição da química invisível que regula
nossa mente e a consideração de
eventos externos que nos afetam.
Meu propósito, para o ano que
vem, é que a gente não fique travado
carregando na mão apenas duas objetivas separadas, uma macro e uma
teleobjetiva, mas que estejamos dispostos a acionar constantemente o
nosso zoom -"zoom in" e "zoom
out".
E também, quase ia esquecer, que
sejamos capazes de enxergar sempre "o outro lado".
ccalligari@uol.com.br
Texto Anterior: Resumo das novelas Próximo Texto: Patrimônio: Ministério da Cultura libera R$ 20 milhões para museus Índice
|