São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 2008

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Crítica/"Os Irmãos Karamabloch"

Livro sobre clã é exercício do prazer russo de espancar

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO

Os irmãos Bloch exerceram o moto de Dostoiévski de que Deus não existe, a alma é mortal e tudo -brigar, roubar, jogar, trair, endividar-se e não pagar, mesmo em família- é permitido. "Os Irmãos Karamabloch" é um livro-reportagem familiar escrito pelo jornalista Arnaldo Bloch sobre a trajetória dos ucranianos que fugiram da Revolução Russa para o Brasil no início dos 1900, construíram um grupo de comunicação e terminaram o século 20 como começaram: falidos.
O título é uma das boutades de Otto Lara Resende, em cima do maior romance do maior escritor russo, da qual Arnaldo Bloch se apropria para estruturar a saga -uma adesão ao que Dostoiévski chamou de "prazer russo pelo espancamento".
É a vida do patriarca Joseph e de seus herdeiros, em especial os filhos Boris, Arnaldo e Adolpho, que o autor narra. O caçula Adolpho, que se tornou o centro do grupo de comunicação que um dia editou a revista "Manchete" e criou uma emissora de TV, é retratado com carinho, mas sem subserviência.
Como na passagem em que o autor narra o roubo que Adolpho fez no caixa do botequim em frente à sua gráfica, no Rio.
"Abriu a gaveta da caixa registradora, tirou tudo que tinha, enfiou nos bolsos largos. Joaquim [o dono] aguardou o desfecho, petrificado. "Você não sabe o que eu estou passando, querido. Eu te pago semana que vem", gemeu Adolpho, deixando o estabelecimento."
Fora de seu contexto, esse trecho talvez dê a impressão de que é uma obra vilipendiadora. Algo compreensível numa "família solidamente unida pela desunião", em outra frase de Otto Lara Resende. Não o é, mas esmiuça "um homem tão defeituoso quanto grandioso", na definição de Arnaldo Bloch, sobrinho-neto de Adolpho.

Privação
Os momentos de privação pelo qual a família Bloch passou deixaram marcas. "A vida me ensinou a enganar a fome com uma cenoura, um copo de água, um pedaço de "pón". Ensinou também que se pode enganar uma mulher. Mas uma coisa não se pode enganar: o frio", falava Adolpho.
O livro é direto ao apontar que, "em seis décadas de Brasil, os negócios cresceram com base em dívidas, promissórias e investimentos a fundo perdido". Ao narrar a criação da Rede Manchete, confirma que Adolpho Bloch não só consultou o dono da Globo, Roberto Marinho, como teve seu apoio para montar a sua emissora. Marinho disse a Bloch, segundo o livro: "Fique longe das novelas". Em princípio, o acordo foi seguido.
Até que, em aliança com o então governador do Rio, Leonel Brizola, arquiinimigo de Marinho, a Manchete obteve em 1984 os direitos exclusivos de transmissão do Carnaval. Marinho ligou para Bloch para tentar dividir os direitos, mas este nem sequer o atendeu.
Em 1994, falido, ele foi pedir socorro ao dono da Globo. À família, relatou o encontro: "Esperei quatro horas e quando entrei ele tentou falar primeiro, mas eu fui mais rápido: "Doutor Roberto, eu preciso de ajuda". Ele demorou uma eternidade para responder. "Adolpho, há dez anos eu estou esperando você retornar meu telefonema. Passar bem'".
Para entender como um livro familiar pode narrar tanta dor, vale recorrer a Dostoiévski, em "Os Irmãos Karamázov": "Nós temos o nosso prazer histórico, natural e imediato com a tortura do espancamento. Isso é corriqueiro, é o russismo".


OS IRMÃOS KARAMABLOCH -ASCENSÃO E QUEDA DE UM IMPÉRIO FAMILIAR

Autor: Arnaldo Bloch
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 48 (340 págs.)
Avaliação: bom


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