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Crítica/"Os Irmãos Karamabloch"
Livro sobre clã é exercício do prazer russo de espancar
PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO
Os irmãos Bloch exerceram o
moto de Dostoiévski de que
Deus não existe, a alma é mortal e tudo -brigar, roubar, jogar, trair, endividar-se e não pagar, mesmo em família- é permitido. "Os Irmãos Karamabloch" é um livro-reportagem
familiar escrito pelo jornalista
Arnaldo Bloch sobre a trajetória dos ucranianos que fugiram
da Revolução Russa para o Brasil no início dos 1900, construíram um grupo de comunicação
e terminaram o século 20 como
começaram: falidos.
O título é uma das boutades
de Otto Lara Resende, em cima
do maior romance do maior escritor russo, da qual Arnaldo
Bloch se apropria para estruturar a saga -uma adesão ao que
Dostoiévski chamou de "prazer
russo pelo espancamento".
É a vida do patriarca Joseph e
de seus herdeiros, em especial
os filhos Boris, Arnaldo e Adolpho, que o autor narra. O caçula
Adolpho, que se tornou o centro do grupo de comunicação
que um dia editou a revista
"Manchete" e criou uma emissora de TV, é retratado com carinho, mas sem subserviência.
Como na passagem em que o
autor narra o roubo que Adolpho fez no caixa do botequim
em frente à sua gráfica, no Rio.
"Abriu a gaveta da caixa registradora, tirou tudo que tinha, enfiou nos bolsos largos.
Joaquim [o dono] aguardou o
desfecho, petrificado. "Você
não sabe o que eu estou passando, querido. Eu te pago semana
que vem", gemeu Adolpho, deixando o estabelecimento."
Fora de seu contexto, esse
trecho talvez dê a impressão de
que é uma obra vilipendiadora.
Algo compreensível numa "família solidamente unida pela
desunião", em outra frase de
Otto Lara Resende. Não o é,
mas esmiuça "um homem tão
defeituoso quanto grandioso",
na definição de Arnaldo Bloch,
sobrinho-neto de Adolpho.
Privação
Os momentos de privação
pelo qual a família Bloch passou deixaram marcas. "A vida
me ensinou a enganar a fome
com uma cenoura, um copo de
água, um pedaço de "pón". Ensinou também que se pode enganar uma mulher. Mas uma coisa não se pode enganar: o frio",
falava Adolpho.
O livro é direto ao apontar
que, "em seis décadas de Brasil,
os negócios cresceram com base em dívidas, promissórias e
investimentos a fundo perdido". Ao narrar a criação da Rede Manchete, confirma que
Adolpho Bloch não só consultou o dono da Globo, Roberto
Marinho, como teve seu apoio
para montar a sua emissora.
Marinho disse a Bloch, segundo o livro: "Fique longe das novelas". Em princípio, o acordo
foi seguido.
Até que, em aliança com o então governador do Rio, Leonel
Brizola, arquiinimigo de Marinho, a Manchete obteve em
1984 os direitos exclusivos de
transmissão do Carnaval. Marinho ligou para Bloch para
tentar dividir os direitos, mas
este nem sequer o atendeu.
Em 1994, falido, ele foi pedir
socorro ao dono da Globo. À família, relatou o encontro: "Esperei quatro horas e quando
entrei ele tentou falar primeiro,
mas eu fui mais rápido: "Doutor
Roberto, eu preciso de ajuda".
Ele demorou uma eternidade
para responder. "Adolpho, há
dez anos eu estou esperando
você retornar meu telefonema.
Passar bem'".
Para entender como um livro
familiar pode narrar tanta dor,
vale recorrer a Dostoiévski, em
"Os Irmãos Karamázov": "Nós
temos o nosso prazer histórico,
natural e imediato com a tortura do espancamento. Isso é corriqueiro, é o russismo".
OS IRMÃOS KARAMABLOCH
-ASCENSÃO E QUEDA DE UM
IMPÉRIO FAMILIAR
Autor: Arnaldo Bloch
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 48 (340 págs.)
Avaliação: bom
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