São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 1997.




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MÚSICA E CINEMA
Zeca Baleiro conversa com Stephen Fry

WALTER DE SILVA
especial para a Folha

Esse é o tipo de episódio pitoresco que a história raramente costuma escrever. Em fevereiro de 95, ao ler na Folha sobre o suposto desaparecimento do ator inglês Stephen Fry depois de uma crítica negativa à sua atuação numa peça de teatro em Londres, Zeca Baleiro, que faz show hoje em São Paulo, não poderia imaginar que a canção despretensiosamente feita por ele e inspirada no estranho fato poderia fazer com que, dois anos depois, no lançamento do disco "Por Onde Andará Stephen Fry", os dois se conhecessem.
Muito menos Stephen Fry poderia imaginar que, num país distante do Reino Unido como o Brasil, alguém sozinho em seu quarto, com um jornal e um violão, poderia compor uma música que chegaria ao seu conhecimento no momento mais importante de sua carreira, quando tem lançada a autobiografia de sua adolescência, interpreta Oscar Wilde no filme sobre a vida do escritor irlandês e contracena com John Travolta em mais uma produção de Hollywood.
Vários telefonemas e faxes a Londres foram necessários para que uma entrevista de Stephen Fry a Zeca Baleiro pudesse ser marcada. Finalmente, Zeca Baleiro conseguiu entrevistar Stephen Fry, e vice-versa, resultando em algo que, ao que parece, pode ser o começo de uma longa amizade.

Zeca Baleiro - Olá, Stephen. O que você acha da idéia de se tornar título de música e CD num país como o Brasil, pelas mãos de um compositor brasileiro?
Stephen Fry -
É realmente uma extraordinária sensação. De um lado, eu me sinto tremendamente honrado e lisonjeado, de outro, é quase um pensamento estranho que existam pessoas com cópias do disco pelo Brasil, cantando em coro meu nome junto com você.
Baleiro - Gostaria que você se sentisse à vontade para me dizer o que achou da música "Stephen Fry" e do CD como um todo.
Fry -
Bem, isso é o que causa o sentimento de prazer de que lhe falei. Eu acho "Stephen Fry" uma música absolutamente maravilhosa. Você tem uma voz atraente e generosa, e não há nenhuma dúvida de que o meu nome combina perfeitamente com o tom da música. Se eu me chamasse Oliver Flutterwick ou algo parecido, certamente seria muito difícil fazer a música, não seria? Quanto ao CD em geral, gosto muito. Admiro as variações de ritmos e estilos.
Baleiro - Você gosta de música popular? O que você ouve?
Fry -
Eu ouço muita música, suponho. É difícil ignorar a sensacional corrente pop britânica do momento. Realmente gosto do Oasis, Pulp, Blur, The Verve e outros.
Baleiro - Quais são suas referências de música brasileira?
Fry -
Tenho de confessar que não tenho nenhuma referência. Mas, como a maioria daqui, penso em ritmos latinos mais do que qualquer coisa. Mas confesso que a maior parte do que conheço é mais música hispânica da América do Sul do que brasileira. Realmente aprecio o ritmo contagiante.
Baleiro - Já vi todos os seus filmes e posso dizer que sou seu fã. Neles, chama-me a atenção o fato de que você sempre interpreta ingleses, mesmo quando o filme se passa na América. Como você explica isso?
Fry -
Creio que as pessoas me tomam por britânico em qualquer momento e em qualquer situação em que me encontram porque passo essa impressão de um típico homem inglês. Agora estou nos Estados Unidos fazendo uma participação no novo filme de John Travolta, intitulado "A Civil Action". Ainda interpretando um típico inglês.
Baleiro - Você acha que a crítica é um mal necessário?
Fry -
Sim, suponho que é o melhor modo de descrevê-la.
Baleiro - Você faz o papel de Oscar Wilde no seu mais recente trabalho no cinema, "Wilde", dirigido por Brian Gilbert. O que mais o atraiu no personagem?
Fry -
Acho que foi a oportunidade para enfocar o registro diretamente sobre ele, que foi um homem de grande bondade, generosidade e coragem.
Baleiro - Soube que você lançou um livro. Do que se trata?
Fry -
É uma autobiografia de minha infância, da idade dos 7 aos 17 anos. Tive uma infância conturbada. Fui expulso de várias escolas e acabei, por um breve período, na prisão. O livro cobre esse período.
Baleiro - Quais são seus próximos projetos para cinema e literatura?
Fry -
Além do filme do Travolta que mencionei, espero escrever roteiros para cinema e outro livro.
Baleiro - Você tem planos de vir ao Brasil? Quando vier, por favor, avise-me, pois quero que você assista a um show meu.
Fry -
Se o filme "Wilde" estrear no Brasil quando eu estiver disponível, tentarei visitar seu país. E, claro, gostaria muito de ir a um de seus shows.
Baleiro - Bem, Stephen, é sua vez. Gostaria de perguntar algo?
Fry -
Sim. Você é de que parte do Brasil? E quantos anos tem?
Baleiro - Nasci em São Luís, capital do Maranhão, Estado do Nordeste brasileiro. O Nordeste é para o Brasil, mais ou menos o que é a Irlanda para os ingleses. Mas moro há sete anos em São Paulo. Tenho 31, mas pareço ter só 29.
Fry -
Você teve algum tipo de treinamento musical?
Baleiro - Não, sou completamente intuitivo. Minha formação musical passa pela cultura popular, pelos ritos religiosos e pelo rádio, onde ouvi Bob Dylan, Rolling Stones, Elton John, Bee Gesse e muita, muita música brasileira.
Fry -
Você já chegou a trabalhar como compositor de trilhas sonoras para filmes ou TV?
Baleiro - Sempre tive muita vontade de fazer música para cinema, mas só recentemente fui convidado para fazer a trilha sonora de um curta-metragem, "Impressões para Clara", de Joel Yamaji, um cineasta paulista. Tenho uma canção ("Bandeira") incluída na trilha sonora da telenovela "Por Amor", da Rede Globo de Televisão.
Fry -
Planos para visitar o Reino Unido?
Baleiro - Planos, sim. Em 98, devo fazer uma pequena turnê pela Europa, onde o disco será lançado, com minha banda Mandabala.

Show: Zeca Baleiro Onde: KVA (r. Cardeal Arcoverde, 2.958, tel. 870-2153) Quando: Hoje, às 23h Quanto: R$ 10



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