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CINEMA - "DE CASO COM O ACASO"
Drama romântico divide Paltrow em duas
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O cinema de consumo rápido
-seja ele o modernoso de um
"Corra Lola Corra", seja o quadradão deste "De Caso com o
Acaso"- parece ter descoberto
finalmente a construção de narrativas alternativas simultâneas, algo que Alain Resnais experimenta
há 40 anos.
O argumento de "De Caso com
o Acaso" é engenhoso. Helen
(Gwyneth Paltrow), uma londrina de classe média, depois de demitida inesperadamente do trabalho, pode: a) chegar em casa
mais cedo e flagrar o marido na
cama com a amante; ou b) atrasar-se alguns segundos, perder o
metrô, sofrer um assalto e chegar
em casa quase na hora de sempre,
mas a tempo de desconfiar que o
marido esconde algo.
O filme desenvolve em paralelo
as duas possibilidades e suas consequências. Numa delas, a partir
do choque de se ver traída, Helen
vai à luta, arruma emprego e namorado e rejeita as tentativas de
reconciliação do marido. Dá a
volta por cima, em suma.
Na outra, conforma-se com as
desculpas esfarrapadas do marido e vive uma vida travada, sacrificada e infeliz.
A sinopse é melhor que o filme
(algo que acontece também, aliás,
com a recente comédia "A Máfia
no Divã"). Por quê?
Porque "De Caso com o Acaso"
subaproveita sua premissa inicial
-a bifurcação da história-, diluindo-a simplesmente em duas
histórias igualmente convencionais e banais, só que uma entrecortada pela outra.
Feminismo e auto-ajuda
São, no fundo, duas fórmulas
entrelaçadas: a comédia romântica da "mulher vencedora" (tipo
"Uma Secretária de Futuro") e o
drama sentimental da mulher
oprimida e insatisfeita.
A psicologia e a moral subjacentes a ambas são as da mais rasteira
literatura feminista de auto-ajuda. A esse roteiro bitolado corresponde uma realização igualmente
burocrática e previsível.
A começar pela escolha da heroína, a insossa e anafrodisíaca
namoradinha de plantão,
Gwyneth Paltrow, e da vilã, Jeanne Tripplehorn, em seu eterno
papel de ninfomaníaca enfurecida. É curioso como tanto ingleses
como americanos (que se associaram nesta produção) têm um medo pânico do sexo, sobretudo do
tesão da mulher.
A caretice continua na previsível decupagem (um aborrecido e
invariável campo-contracampo),
no caráter meramente utilitário
dos personagens secundários e no
modo chapado como são filmados os ambientes.
Um exemplo extremo é o do bar
em que o marido adúltero (John
Lynch) afoga as mágoas trocando
idéias machistas com um amigo:
o espaço está sempre igual, o enquadramento é sempre o mesmo.
Claro que nem tudo é nulo. Há
algumas boas piadas (no bar, justamente) e pelo menos um diálogo memorável, aquele em que a
amante rejeitada (Tripplehorn)
joga na cara do ex-amante as declarações arrebatadas que ele lhe
faz "nos momentos de ardor que
antecedem o orgasmo".
É uma das poucas conversas
adultas de um filme que parece
moldado pelas novelas de TV.
Não se deixe enganar: sob o ralo
verniz de inovação, é a estética de
sitcom que segue dominando o
cinemão, de ambos os lados do
Atlântico. O que é de se admirar é
que uma parcela crescente da crítica tem sucumbido a essas empulhações, ajudando a vender gato por lebre.
Avaliação:
Filme: De Caso com o Acaso (Sliding
Doors)
Produção: EUA/Grã-Bretanha, 1999
Direção: Peter Howitt
Com: Gwyneth Paltrow, John Hannah,
John Lynch, Jeanne Tripplehorn
Quando: a partir de hoje, nos cines Belas
Artes/Sala Villa-Lobos, Center Iguatemi
2, Jardim Sul 6 e circuito
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