São Paulo, Sexta-feira, 21 de Janeiro de 2000


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CINEMA - "DE CASO COM O ACASO"
Drama romântico divide Paltrow em duas

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O cinema de consumo rápido -seja ele o modernoso de um "Corra Lola Corra", seja o quadradão deste "De Caso com o Acaso"- parece ter descoberto finalmente a construção de narrativas alternativas simultâneas, algo que Alain Resnais experimenta há 40 anos.
O argumento de "De Caso com o Acaso" é engenhoso. Helen (Gwyneth Paltrow), uma londrina de classe média, depois de demitida inesperadamente do trabalho, pode: a) chegar em casa mais cedo e flagrar o marido na cama com a amante; ou b) atrasar-se alguns segundos, perder o metrô, sofrer um assalto e chegar em casa quase na hora de sempre, mas a tempo de desconfiar que o marido esconde algo.
O filme desenvolve em paralelo as duas possibilidades e suas consequências. Numa delas, a partir do choque de se ver traída, Helen vai à luta, arruma emprego e namorado e rejeita as tentativas de reconciliação do marido. Dá a volta por cima, em suma.
Na outra, conforma-se com as desculpas esfarrapadas do marido e vive uma vida travada, sacrificada e infeliz.
A sinopse é melhor que o filme (algo que acontece também, aliás, com a recente comédia "A Máfia no Divã"). Por quê?
Porque "De Caso com o Acaso" subaproveita sua premissa inicial -a bifurcação da história-, diluindo-a simplesmente em duas histórias igualmente convencionais e banais, só que uma entrecortada pela outra.

Feminismo e auto-ajuda
São, no fundo, duas fórmulas entrelaçadas: a comédia romântica da "mulher vencedora" (tipo "Uma Secretária de Futuro") e o drama sentimental da mulher oprimida e insatisfeita.
A psicologia e a moral subjacentes a ambas são as da mais rasteira literatura feminista de auto-ajuda. A esse roteiro bitolado corresponde uma realização igualmente burocrática e previsível.
A começar pela escolha da heroína, a insossa e anafrodisíaca namoradinha de plantão, Gwyneth Paltrow, e da vilã, Jeanne Tripplehorn, em seu eterno papel de ninfomaníaca enfurecida. É curioso como tanto ingleses como americanos (que se associaram nesta produção) têm um medo pânico do sexo, sobretudo do tesão da mulher.
A caretice continua na previsível decupagem (um aborrecido e invariável campo-contracampo), no caráter meramente utilitário dos personagens secundários e no modo chapado como são filmados os ambientes.
Um exemplo extremo é o do bar em que o marido adúltero (John Lynch) afoga as mágoas trocando idéias machistas com um amigo: o espaço está sempre igual, o enquadramento é sempre o mesmo.
Claro que nem tudo é nulo. Há algumas boas piadas (no bar, justamente) e pelo menos um diálogo memorável, aquele em que a amante rejeitada (Tripplehorn) joga na cara do ex-amante as declarações arrebatadas que ele lhe faz "nos momentos de ardor que antecedem o orgasmo".
É uma das poucas conversas adultas de um filme que parece moldado pelas novelas de TV.
Não se deixe enganar: sob o ralo verniz de inovação, é a estética de sitcom que segue dominando o cinemão, de ambos os lados do Atlântico. O que é de se admirar é que uma parcela crescente da crítica tem sucumbido a essas empulhações, ajudando a vender gato por lebre.


Avaliação:  


Filme: De Caso com o Acaso (Sliding Doors) Produção: EUA/Grã-Bretanha, 1999 Direção: Peter Howitt Com: Gwyneth Paltrow, John Hannah, John Lynch, Jeanne Tripplehorn Quando: a partir de hoje, nos cines Belas Artes/Sala Villa-Lobos, Center Iguatemi 2, Jardim Sul 6 e circuito

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