São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007

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Admiração mútua não evitou rusgas

Jobim, metódico no controle das gravações, irritava-se com a repulsa de Sinatra a ensaios; no segundo disco a desavença aumentou

Estilos diferentes não impediram momentos de tietagem entre os astros; parceria de 1967 virou o 2º disco mais vendido nos EUA

Ed Thrasher/MPTV/Brainpix
Sinatra e Tom Jobim durante a gravação do primeiro disco da dupla, "Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim", em 1967


CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O Brasil nem sempre reconheceu à devida altura, nem nos momentos mais adequados, a importância da obra de Tom Jobim (1927-1994). Nada mais justo, então, que o próximo dia 25, data em que o maior compositor do país completaria 80 anos, deflagre uma série de shows em sua homenagem (leia mais ao lado).
Um capítulo especial da trajetória artística de Jobim, revelador de sua ambivalente relação com o país, também vai completar mais uma década, ou melhor, 40 anos. Foi no dia 30 de janeiro de 1967 que começaram as sessões de gravação de "Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim", o disco que consolidou a projeção internacional do mestre da bossa nova.
Esse episódio começou com jeito de anedota. No final de 1966, o habitual bate-papo de Jobim com seus amigos, no bar Veloso, em Ipanema, foi interrompido pelo garçom. Era "um gringo" ao telefone, avisou. Falando dos Estados Unidos, Sinatra foi direto ao assunto: queria gravar um disco com Jobim e saber se ele aprovava a idéia. "Perfeitamente, é uma ordem", respondeu o compositor, que embarcou para Miami, semanas depois.
"Naquela época, gravar com Frank Sinatra, a voz do século, era uma consagração. Ainda mais porque se tratava do primeiro disco que ele faria com um único compositor", lembra o jornalista e escritor Sérgio Cabral, autor da biografia "Antonio Carlos Jobim" (Lumiar, 1997), que narra com riqueza de detalhes esse episódio.

Cabo-de-guerra
Até o final das gravações, em Los Angeles, os dois travaram um cuidadoso cabo-de-guerra. Acostumado a manter o controle de seus trabalhos, Jobim foi obrigado a engolir a ojeriza do cantor a ensaios. Sinatra queria que Nelson Riddle, seu antigo parceiro, escrevesse os arranjos, mas Jobim o convenceu a chamar Claus Ogerman, que já tinha colaborado com seu álbum "The Composer of "Desafinado" Plays" (1963).
Jobim também conseguiu que o baterista carioca Dom Um Romão participasse das gravações, já à última hora, mas Sinatra acabou decidindo que gravaria três canções de compositores norte-americanos, além das sete de Jobim que escolheu.
Mesmo assim, a camaradagem não demorou a se instalar. "Não canto tão suave desde que tive laringite", brincou Sinatra, ao interpretar a difícil melodia de "Dindi" (Jobim e Aloysio de Oliveira). "Porra, que beleza de canção", emendou. O compositor retribuiu o elogio ao final das gravações, durante um jantar comemorativo.
"Sabe de uma coisa, Frank? Nas fotos e no cinema, você parece fraquinho, mas estou vendo agora que você é bastante forte", comentou Jobim, num gesto típico de fã. "Sente os músculos. Toda manhã pratico caratê", respondeu Sinatra, exibindo-se.

Sucesso
Eleito melhor do ano pela crítica norte-americana, o disco de Sinatra e Jobim chegou ao segundo lugar entre os mais vendidos nos EUA, perdendo apenas para "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", dos Beatles. Mas o compositor nem precisou esperar a repercussão do álbum para conferir seu prestígio naquele país.
"Naquela época, os músicos norte-americanos já sabiam exatamente quem era Jobim", diz Oscar Castro-Neves, que comandou na semana passada um show dedicado a ele, ao ar livre, para cerca de 100 mil pessoas, em Sidney, na Austrália.
Radicado até hoje nos EUA, o violonista tinha acabado de se mudar para Los Angeles, no início de 1967, quando presenciou uma cena inusitada. Ao entrar numa festa, acompanhado por Jobim, viu a conhecida apresentadora de TV e cantora Dinah Shore ajoelhar-se e beijar os pés do compositor.
Curiosamente, em vez de capitalizar o sucesso da parceria com Sinatra, ao voltar ao Brasil, Jobim evitava falar no assunto, especialmente com a imprensa. "Talvez o assunto Sinatra tenha ficado meio chato para ele. Pode ter sido algum grilo com o assunto, mas não com a gravação", diz o músico Paulo Jobim, afirmando que seu pai voltou "felicíssimo" com o disco.
"Essa "vitória" da gravação com o Sinatra era tratada aqui como se os Estados Unidos tivessem se curvado ante o Brasil. Só que o Tom achava isso uma bobagem", confirma Sérgio Cabral. "Vi várias vezes, nos bares, as pessoas perguntarem: "Tom, e o Sinatra?" Ele sempre respondia: "Um boa-praça". Essas perguntas o incomodavam", completa.
Segundo Cabral, Jobim gostava de alimentar dubiedades. "Ele concordou que eu escrevesse a biografia dele, mas toda vez que eu perguntava algo que interessava ao livro, ele mudava de assunto. Eu perguntava: "Tom, o João Gilberto fez mesmo tal coisa?". Então ele dizia: "Olha, Sérgio, o Brasil é um país em que as pessoas estão queimando árvores. Este é um país de cabeça para baixo". Era difícil conseguir uma resposta objetiva dele."

Nova parceria
No final de 1968, Jobim voltou aos EUA para gravar um novo disco com Sinatra, mas dessa vez os adiamentos sucessivos dos ensaios e das gravações irritaram o brasileiro.
Lançado só em 1971, "Sinatra & Company" trazia apenas sete das nove canções de Jobim gravadas. O braço-de-ferro prosseguiu em 1980, quando Sinatra se apresentou no Rio. Convidado a participar, Jobim não apareceu no show.
"Meu pai não conseguiu falar com o Sinatra pelo telefone. Além disso, era um show gigantesco, de milhões de dólares, em que meu pai não receberia nada. Então ele não foi e o Sinatra ficou com aquele papo de que ele ficou escondido no alto de uma montanha", lembra Paulo Jobim, que teve a sorte de presenciar o último encontro do pai com o cantor, anos depois, num jantar, em Nova York. "O Sinatra era um cara bacana, bom de falar. Parecia que eu estava falando com o personagem de um filme."


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