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São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003

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CRÍTICA

Como escrever sobre uma adaptação metalinguística

DE NOVA YORK

Problema: como começar a escrever a crítica de "Adaptação". Sede. Vou até a geladeira pegar um suco. Morango com laranja? Serve. Preciso de uma primeira frase cativante, que atraia a leitura. Já escrevi antes que é o melhor filme do ano, agora tenho de justificar. Opa, caiu uma migalha no teclado. Será que estraga?
Idéia: lembrar as resenhas estrangeiras. O sujeito da "Time Out" disse que é o melhor filme do ano. Eu também disse, o cara deve ser bom. Quem escreveu? Ih, Mike D'Angelo, o mesmo que em 98 criticou "Um Crime Perfeito" sem perceber que era remake de "Disque M para Matar". Vai mal. "Totalmente original e envolvente. Um dos melhores filmes do ano", disse a CNN. Melhor assim.
O "New York Times" e outros também morrem de amores. Só elogiar efusivamente não me fará dizer nada novo. Preciso de uma idéia original. Estico os braços. Tenho de voltar a fazer alongamento. chega, está na hora de pensar em algo original:
"Adaptação" é a tentativa mais bem-sucedida de juntar arte e metalinguística. Charlie Kaufman se coloca no roteiro não por egolatria, mas por excesso de entusiasmo pelo texto original. Ou seja, por amor demais à obra que vai obrigatoriamente ter de transformar em outra coisa, apesar de achar perfeita como ela é, ele decide escrever sobre a dificuldade de fazer isso. E leva às últimas consequências essa decisão. No processo, cria uma obra de arte.
Para alguém tímido como ele, é um sacrifício. Mas é de sacrifícios que se alimenta a natureza. Kaufman é darwinista, como mostrou em "Quero Ser John Malkovich" e mais explicitamente no subestimado "Natureza Humana". Crê na sobrevivência do mais apto e que não seja o mais apto para sobreviver em Hollywood. Então, se adapta. Daí "Adaptação".
E o filme é auto-referente sem ser chato. Como quando Nicolas Cage/Charlie Kaufman fala, na conversa com a produtora do estúdio, que não vai ceder aos apelos comerciais de perseguições, mortes, histórias de amor e um final redentor para então terminar o filme exatamente com perseguições, mortes, história de amor e um final redentor (pena que parte da crítica não pescou a ironia e criticou a "mudança de ritmo"). Até que ficou razoável. Vou mandar assim. Opa, a tecla "send" não está funcionando. Será a migalha? (SÉRGIO DÁVILA)


Adaptação
Adaptation
    
Produção: EUA, 2002
Direção: Spike Jonze
Com: Nicolas Cage, Meryl Streep, Chris Cooper
Quando: a partir de hoje, nos cinemas Frei Caneca Unibanco Arteplex 6, Market Place Cinemark 4, Metrô Santa Cruz 5 e circuito



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