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São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003

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CINEMA/ESTRÉIA

"PRENDA-ME SE FOR CAPAZ"

Em cenário do fim dos anos 50, bandido à moda antiga é perseguido por agente do FBI

Spielberg resgata mito do vigarista simpático

Divulgação
Cena de "Prenda-me se For Capaz", de Spielberg, com Tom Hanks (à esq.) e Leonardo DiCaprio


PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

A fascinação dos cineastas por larápios e escroques de toda sorte talvez derive do simples fato de o cinema ser um truque, máquina de enganar os olhos que recria o movimento a partir de imagens estáticas. É uma questão de identificação: todo cineasta, mal ou bem, é um enganador, criador de ilusões.
Steven Spielberg, em especial, está entre os diretores contemporâneos que mais se aliam a essa característica. Ás da manipulação, ele tem razões de sobra para se identificar com Frank W. Abagnale Jr., personagem principal "Prenda-me se For Capaz". O filme é inspirado na autobiografia desse vigarista que usou suas habilidades de falsificador para enganar meia América, torrando milhões que não eram seus.
Não que Spielberg seja um vigarista, ainda que uns tantos defendam a idéia. Mas Abagnale, certamente, ou segundo a imagem que Spielberg construiu dele, era principalmente um "criador de ilusões" (e não um mau-caráter fora-da-lei). Na tradição dos bons bandidos interpretados por Paul Newman e Robert Redford em "Golpe de Mestre" e "Butch Cassidy", Spielberg pinta Abagnale com uma figura extremamente simpática (não foi à toa que chamou Leonardo DiCaprio).
Abagnale teria sido um escroque de olhos doces e inteligência precoce que usava e abusava de um repertório de olhares, gestos e frases para distrair suas vítimas. Assim, conseguiu passar por piloto de avião, médico e advogado, cumprindo um currículo invejável de trapaças antes dos 21 anos.
Abagnale começou a agir lá pelos 16. Era praticamente uma criança, e daí se compreende que Spielberg está em território seguro. Todo o filme se desenvolve a partir de uma das maiores obsessões do diretor, o medo infantil do abandono. A trajetória de falsificações do personagem começa quando seus pais se divorciam e o garoto é obrigado por um oficial de justiça a escrever num papel com quem quer morar (a separação dos pais, não custa lembrar, também é eixo central de "E.T.").
O ponto mais fraco de "Prenda-me se For Capaz" é justamente esse: uma explicação constante e redundante da patologia de Abagnale. É como se Spielberg, para justificar sua simpatia pelo "gauche", precisasse absolvê-lo antes de tudo. Isso causa uma tremenda "barriga" no filme, que corre por desnecessários 141 minutos.
Spielberg é mais feliz ao recriar o jogo de gato e rato entre Abagnale e seu perseguidor, um agente do FBI interpretado por Tom Hanks. Depois de um longo prólogo, o filme usa o tema da perseguição para desenhar um painel delicioso do fim dos anos 1950, único cenário possível para a atuação de um vigarista elegante como Abagnale. É quando "Prenda-me se For Capaz" ganha ares de um bom filme "velho", de uma ingenuidade que se casa, quase à perfeição, com a América do Cadillac e da Pan American.


Prenda-me se For Capaz
Catch me if You Can
   
Direção: Steven Spielberg
Produção: EUA, 2002
Com: Leonardo DiCaprio, Tom Hanks, Christopher Walken e Martin Sheen
Quando: a partir de hoje nos cines Metrô Tatuapé, Pátio Higienópolis e circuito



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