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CINEMA/ESTRÉIA
"PRENDA-ME SE FOR CAPAZ"
Em cenário do fim dos anos 50, bandido à moda antiga é perseguido por agente do FBI
Spielberg resgata mito do vigarista simpático
Divulgação
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Cena de "Prenda-me se For Capaz", de Spielberg, com Tom Hanks (à esq.) e Leonardo DiCaprio |
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
A fascinação dos cineastas
por larápios e escroques de
toda sorte talvez derive do simples fato de o cinema ser um truque, máquina de enganar os olhos
que recria o movimento a partir
de imagens estáticas. É uma questão de identificação: todo cineasta, mal ou bem, é um enganador,
criador de ilusões.
Steven Spielberg, em especial,
está entre os diretores contemporâneos que mais se aliam a essa
característica. Ás da manipulação, ele tem razões de sobra para
se identificar com Frank W.
Abagnale Jr., personagem principal "Prenda-me se For Capaz". O
filme é inspirado na autobiografia
desse vigarista que usou suas habilidades de falsificador para enganar meia América, torrando
milhões que não eram seus.
Não que Spielberg seja um vigarista, ainda que uns tantos defendam a idéia. Mas Abagnale, certamente, ou segundo a imagem que
Spielberg construiu dele, era principalmente um "criador de ilusões" (e não um mau-caráter fora-da-lei). Na tradição dos bons
bandidos interpretados por Paul
Newman e Robert Redford em
"Golpe de Mestre" e "Butch Cassidy", Spielberg pinta Abagnale
com uma figura extremamente
simpática (não foi à toa que chamou Leonardo DiCaprio).
Abagnale teria sido um escroque de olhos doces e inteligência
precoce que usava e abusava de
um repertório de olhares, gestos e
frases para distrair suas vítimas.
Assim, conseguiu passar por piloto de avião, médico e advogado,
cumprindo um currículo invejável de trapaças antes dos 21 anos.
Abagnale começou a agir lá pelos 16. Era praticamente uma
criança, e daí se compreende que
Spielberg está em território seguro. Todo o filme se desenvolve a
partir de uma das maiores obsessões do diretor, o medo infantil do
abandono. A trajetória de falsificações do personagem começa
quando seus pais se divorciam e o
garoto é obrigado por um oficial
de justiça a escrever num papel
com quem quer morar (a separação dos pais, não custa lembrar,
também é eixo central de "E.T.").
O ponto mais fraco de "Prenda-me se For Capaz" é justamente esse: uma explicação constante e redundante da patologia de Abagnale. É como se Spielberg, para
justificar sua simpatia pelo "gauche", precisasse absolvê-lo antes
de tudo. Isso causa uma tremenda
"barriga" no filme, que corre por
desnecessários 141 minutos.
Spielberg é mais feliz ao recriar
o jogo de gato e rato entre Abagnale e seu perseguidor, um agente
do FBI interpretado por Tom
Hanks. Depois de um longo prólogo, o filme usa o tema da perseguição para desenhar um painel
delicioso do fim dos anos 1950,
único cenário possível para a
atuação de um vigarista elegante
como Abagnale. É quando "Prenda-me se For Capaz" ganha ares
de um bom filme "velho", de uma
ingenuidade que se casa, quase à
perfeição, com a América do Cadillac e da Pan American.
Prenda-me se For Capaz
Catch me if You Can
Direção: Steven Spielberg
Produção: EUA, 2002
Com: Leonardo DiCaprio, Tom Hanks,
Christopher Walken e Martin Sheen
Quando: a partir de hoje nos cines Metrô
Tatuapé, Pátio Higienópolis e circuito
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