UOL


São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Proeza fica entre a invenção e o vazio

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"A Festa de Margarette" mimetiza as técnicas e a linguagem do cinema mudo para contar uma história simples.
Pedro (Hique Gomez), um trabalhador fabril, sonha em proporcionar uma grande festa de aniversário a sua mulher, Margarette (Ilana Kaplan), mas acaba perdendo o emprego. Esconde o fato da família, dizendo-se, ao contrário, promovido. E insiste no projeto da festa.
A partir daí, acontece um pouco de tudo: ganha-se dinheiro de modo mágico e perde-se de modo fugaz, conhece-se a miséria e o luxo, a solidariedade e o egoísmo.
Boa parte do que vemos na tela, saberemos depois, é um sonho do protagonista, num esquema que lembra "Simão, o Caolho" (1952), de Alberto Cavalcanti.
O tom geral de "A Festa de Margarette" é o de uma comédia sentimental e edificante, à maneira dos filmes de Chaplin.
Ocasionalmente engraçado, quase sempre bem resolvido visualmente, o filme de Renato Falcão padece entretanto de uma certa irregularidade de ritmo, com saltos abruptos e elipses pouco claras. Outro problema é a trilha sonora (do próprio Hique Gomez), invasiva e redundante, como se tentasse inflar o sentido e a força das imagens.
Há um aspecto interessante nessa busca de aproximação ao cinema feito há um século: o modo como uma narrativa simples exige, dadas as limitações técnicas, procedimentos expressivos complexos. Se contasse com diálogos e som direto, com a cor e os recursos tecnológicos de hoje, "A Festa de Margarette" seria um relato cinematográfico tão banal que perderia seu sentido.
O sentido do filme, então, está em sua remissão ao próprio cinema, sua história e linguagem. Um projeto que implica uma dose de coragem -dada a tirania do cinema "de mercado"- e uma certa perícia técnica e narrativa.
Estabelecida a premissa, só cabe ao filme cumpri-la. Tudo aquilo que no verdadeiro cinema mudo -de Murnau a Chaplin, de Lang a Buster Keaton- era invenção de uma gramática expressiva passa a ser simplesmente execução, repetição, reiteração, lição de casa aprendida e decorada.
Ao fim da proeza, sente-se uma certa impressão de vazio, como se tivéssemos assistido a uma demonstração de que alguém ainda é capaz de escrever um soneto.


A Festa de Margarette   
Produção: Brasil, 2002
Direção: Renato Falcão
Com: Hique Gomez, Ilana Kaplan, Carmen Silva
Onde: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: "Arca Russa": Sokúrov passa a sensação do país à deriva
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.