São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"OS NOVOS SENHORES DO MUNDO"

Livro de australiano critica imprensa e as organizações financeiras mundiais

Propaganda contamina jornalismo de Pilger

Joyce Naltchayan - 11.abr.2000/Associated Press
Manifestantes pedem o cancelamento da dívida dos países em desenvolvimento, em frente ao Capitólio, na cidade de Washington


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

John Pilger é uma espécie de Mike Moore australiano. Jornalista, faz documentários para cinema e TV e escreve para diários e semanários britânicos e de seu país. Sempre com um alto tom de engajamento político em defesa de causas da agenda da esquerda tradicional.
Nessa condição, tornou-se uma das vozes mais agressivas contra a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em todo o mundo. Como Moore, virou um militante da campanha contra Bush (e contra o premiê australiano, John Howard, que foi um dos pouquíssimos chefes de governo além de Tony Blair que se alinharam integralmente com Bush).
"Os Novos Senhores do Mundo", que acaba de ser lançado no Brasil pela editora Record, é um exemplo bastante completo do estilo de Pilger. Pessoas como ele são necessárias para o debate público pela convicção com que defendem seus pontos de vista. Mas nem sempre a qualidade das informações que publicam passa por um exame rigoroso.
O livro é composto por quatro capítulos, dedicados a bestas do apocalipse contemporâneo, como a comunidade das organizações financeiras multilaterais (FMI, Banco Mundial) e a santa aliança entre a Casa Branca e Downing Street 10 no século 21.
Certamente, Pilger está quase sempre certo nas posições que defende, de resto compartilhadas pela imensa maioria da opinião pública mundial. O problema com o livro é a contaminação do jornalismo pela propaganda. O autor não está apenas construindo argumentos contrários às posições de Bush, Blair, Howard e outros. Ele pretende estar relatando fatos que comprovam a correção de tais argumentos.
Muitas vezes os fatos descritos são públicos, incontestáveis e bastariam para dar base à lógica desenvolvida pelo autor. Mas ele parece não se satisfazer com pouco, quer requintar com detalhes abomináveis a crueldade de seus inimigos ideológicos e, para tanto, quase sempre lhe faltam evidências conclusivas. Mesmo assim, Pilger mantém todas as acusações indiferenciadamente.
É verdade que Pilger quase sempre se documenta, faz ouças afirmações completamente gratuitas, ao contrário de muitas figuras menores que se comportam como ele. Mas uma declaração de um ex-ministro paquistanês à BBC de que ele havia sido informado por fontes americanas não especificadas, por exemplo, é a única prova oferecida para atestar que em julho de 2001 (antes dos atentados terroristas de Nova York e Washington, portanto), o governo americano já havia se decidido a invadir o Afeganistão.
Assim ocorre em diversas outras situações: trechos de "um documento de informação entregue a Bush" sem que se diga quem redigiu tal documento, a opinião de um acadêmico notoriamente ligado à esquerda, artigos de colegas são outros indícios considerados definitivos para atestar alegações da mais alta gravidade.
"É um tipo de jornalismo que insinua, dá a entender, escolhe um ou outro judas e recua", afirma Pilger para atacar erros cometidos pela grande imprensa americana e britânica (especialmente "Observer" e "The New York Times") na cobertura dos acontecimentos posteriores ao 11 de setembro de 2001. Ele tem razão. Mas o comentário poderia ser aplicado com igual justiça a muitos dos seus próprios textos.
Aliás, diversos parágrafos do livro são gastos em críticas a jornalistas, classificados como alguns dos principais responsáveis pela política externa belicosa da dupla Bush e Blair, num aparente acerto de contas entre coleguinhas que desmerece a maior parte de "Os Novos Senhores do Poder", que apesar de todas as restrições e discordâncias possíveis é um trabalho sério.
Lamentavelmente, o livro sai no Brasil desatualizado. Originalmente publicado em 2002, um de seus capítulos tem como premissa importante o que ainda era uma hipotética (embora muito previsível) invasão do Iraque pelos americanos e britânicos. Apesar de não comprometer a linha geral do raciocínio (por sinal às vezes pesado e tortuoso pelo excesso de saltos cronológicos e mistura de lembranças pessoais com narrativa em terceira pessoa), esse atraso histórico provoca desconforto ao leitor.


Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

Os Novos Senhores do Mundo
  
Autor: John Pilger
Editora: Record
Quanto: R$ 35 (288 págs.)



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