|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
"OS NOVOS SENHORES DO MUNDO"
Livro de australiano critica imprensa e as organizações financeiras mundiais
Propaganda contamina jornalismo de Pilger
Joyce Naltchayan - 11.abr.2000/Associated Press
|
Manifestantes pedem o cancelamento da dívida dos países em desenvolvimento, em frente ao Capitólio, na cidade de Washington |
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
John Pilger é uma espécie de
Mike Moore australiano. Jornalista, faz documentários para
cinema e TV e escreve para diários e semanários britânicos e de
seu país. Sempre com um alto
tom de engajamento político em
defesa de causas da agenda da esquerda tradicional.
Nessa condição, tornou-se uma
das vozes mais agressivas contra a
invasão do Iraque pelos Estados
Unidos em todo o mundo. Como
Moore, virou um militante da
campanha contra Bush (e contra
o premiê australiano, John Howard, que foi um dos pouquíssimos chefes de governo além de
Tony Blair que se alinharam integralmente com Bush).
"Os Novos Senhores do Mundo", que acaba de ser lançado no
Brasil pela editora Record, é um
exemplo bastante completo do
estilo de Pilger. Pessoas como ele
são necessárias para o debate público pela convicção com que defendem seus pontos de vista. Mas
nem sempre a qualidade das informações que publicam passa
por um exame rigoroso.
O livro é composto por quatro
capítulos, dedicados a bestas do
apocalipse contemporâneo, como a comunidade das organizações financeiras multilaterais
(FMI, Banco Mundial) e a santa
aliança entre a Casa Branca e
Downing Street 10 no século 21.
Certamente, Pilger está quase
sempre certo nas posições que defende, de resto compartilhadas
pela imensa maioria da opinião
pública mundial. O problema
com o livro é a contaminação do
jornalismo pela propaganda. O
autor não está apenas construindo argumentos contrários às posições de Bush, Blair, Howard e
outros. Ele pretende estar relatando fatos que comprovam a correção de tais argumentos.
Muitas vezes os fatos descritos
são públicos, incontestáveis e bastariam para dar base à lógica desenvolvida pelo autor. Mas ele parece não se satisfazer com pouco,
quer requintar com detalhes abomináveis a crueldade de seus inimigos ideológicos e, para tanto,
quase sempre lhe faltam evidências conclusivas. Mesmo assim,
Pilger mantém todas as acusações
indiferenciadamente.
É verdade que Pilger quase sempre se documenta, faz ouças afirmações completamente gratuitas,
ao contrário de muitas figuras
menores que se comportam como ele. Mas uma declaração de
um ex-ministro paquistanês à
BBC de que ele havia sido informado por fontes americanas não
especificadas, por exemplo, é a
única prova oferecida para atestar
que em julho de 2001 (antes dos
atentados terroristas de Nova
York e Washington, portanto), o
governo americano já havia se decidido a invadir o Afeganistão.
Assim ocorre em diversas outras situações: trechos de "um documento de informação entregue
a Bush" sem que se diga quem redigiu tal documento, a opinião de
um acadêmico notoriamente ligado à esquerda, artigos de colegas
são outros indícios considerados
definitivos para atestar alegações
da mais alta gravidade.
"É um tipo de jornalismo que
insinua, dá a entender, escolhe
um ou outro judas e recua", afirma Pilger para atacar erros cometidos pela grande imprensa americana e britânica (especialmente
"Observer" e "The New York Times") na cobertura dos acontecimentos posteriores ao 11 de setembro de 2001. Ele tem razão.
Mas o comentário poderia ser
aplicado com igual justiça a muitos dos seus próprios textos.
Aliás, diversos parágrafos do livro são gastos em críticas a jornalistas, classificados como alguns
dos principais responsáveis pela
política externa belicosa da dupla
Bush e Blair, num aparente acerto
de contas entre coleguinhas que
desmerece a maior parte de "Os
Novos Senhores do Poder", que
apesar de todas as restrições e discordâncias possíveis é um trabalho sério.
Lamentavelmente, o livro sai no
Brasil desatualizado. Originalmente publicado em 2002, um de
seus capítulos tem como premissa importante o que ainda era
uma hipotética (embora muito
previsível) invasão do Iraque pelos americanos e britânicos. Apesar de não comprometer a linha
geral do raciocínio (por sinal às
vezes pesado e tortuoso pelo excesso de saltos cronológicos e
mistura de lembranças pessoais
com narrativa em terceira pessoa), esse atraso histórico provoca
desconforto ao leitor.
Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, é diretor da Patri Relações Governamentais
e Políticas Públicas
Os Novos Senhores do Mundo
Autor: John Pilger
Editora: Record
Quanto: R$ 35 (288 págs.)
Texto Anterior: Internet: Quem critica os livros da Amazon.com? Próximo Texto: "O dia em que matei meu pai": Obra vê parricídio com finos toques Índice
|