São Paulo, quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

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Biografia revê o mito Mãe Menininha

Livro revela como a mãe-de-santo vivia antes do sacerdócio e relembra sua influência sobre políticos e artistas da MPB

Autora vai além da imagem pública da ilustre filha de Oxum da Bahia, sempre rodeada de políticos, escritores e artistas

Agência A Tarde
A cantora Maria Bethânia e a ialorixá em seu quarto, no terreiro do Gantois


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Menininha foi a primeira mãe-de-santo pop." O vaticínio do ministro/cantor/compositor Gilberto Gil, em depoimento à jornalista Regina Echeverria, sintetiza a principal imagem que resta após a leitura de "Mãe Menininha do Gantois", recém-lançada biografia da ialorixá, assinada por Echeverria e a pesquisadora Cida Nóbrega.
O livro, no entanto, vai além da imagem pública e midiática da ilustre filha de Oxum, sempre rodeada de políticos do naipe do hoje senador Antonio Carlos Magalhães, ou medalhões da MPB como Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa. E ainda os compositores Vinicius de Moraes e Dorival Caymmi, que a imortalizaram nas canções "Tatamirô" e "Oração para Mãe Menininha".
A biografia recupera as origens históricas e pessoais, retomando os caminhos que transformaram a mulher Maria Escolástica da Conceição Nazareth (1894-1986) num mito.
Echeverria ressalta que o livro revela como Mãe Menininha ganhava sua vida antes do sacerdócio, costurando ou vendendo doces e vísceras em tabuleiros. Explica por que o terreiro se chamava Gantois, sobrenome de um belga, traficante de escravos e antigo proprietário da área onde fica o barracão da mãe-de-santo. E sugere como a resistência pacífica dos negros, e, em especial, a capacidade de fazer alianças da ialorixá biografada, durante os anos de perseguição policial ao candomblé, inspiraram e se incorporaram à política nacional.
"O candomblé segurou a barra do negro no Brasil, ajudando-o a manter sua cultura, por meio do culto aos seus ancestrais. E ele até hoje deixou marcas, como a aliança, o conchavo e a negociação, na política brasileira", observa a jornalista

Chamamento
Mais de 60 depoimentos, fora reproduções de entrevistas de periódicos diversos, servem à reconstrução da trajetória de Mãe Menininha, descendente de escravos, que nasceu em 1894, em Salvador, já fadada, contam suas biógrafas, a se tornar ialorixá do Gantois.
Depois que sua tia-avó, a ialorixá Pulquéria, morreu, Maria Escolástica tentou escapar do destino. Casou-se, teve duas filhas, morou longe do terreiro, mas lá voltou, aos 28 anos, por chamamento dos próprios orixás: "Primeiro foi Oxóssi, depois Xangô, Oxu, Obaluaê. Eles que me deram este cargo de felicidade, que estou ocupando até o dia que Deus quiser, e Oxalá", conta ela em entrevista reproduzida no livro.
A biografia também traz passagens bem-humoradas, como a exceção que a mãe-de-santo abria para Vinicius fumar e beber no terreiro. Ou o depoimento do jornalista e produtor Nelson Motta que, "apavorado, meio paranóico", foi a Salvador pedir proteção à ialorixá. No caminho do aeroporto para a cidade, "num fusca dirigido insanamente pelo motorista", escapou de um acidente.
"À tarde, fui visitar Mãe Menininha e contei-lhe, dramaticamente, a história. Ela riu muito e me disse: "Que felicidade, não é meu filho? Aconteceu tudo e não aconteceu nada!" E continuou a rir."
Echeverria também traz à tona uma insólita e divertida faceta da mãe-de-santo: seu fascínio pela televisão. Fã de Chacrinha, a quem ela atribuía um "erê" -estado posterior ao transe do orixá, caracterizado por humor alegre e infantil, como explica o glossário-, Mãe Menininha deixava o aparelho sempre ligado.
"Ela via coisas na TV que associava ao jogo de búzios, às consultas. Uma vez chegou a dizer que o Mogli [personagem do desenho infantil da Disney] era Oxóssi", conta a biógrafa.
Por fim, o livro relembra os anos de doença e revela um personagem que teria ficado "à sombra" na trajetória da ialorixá. A filha-de-santo Alabá, criada desde os quatro anos de idade no terreiro do Gantois. "Ela era o anjo da guarda que fazia tudo para Menininha, que faleceu poucos dias após a morte dela, pois não via motivo para continuar vivendo. Havia perdido seu grande apoio."

MÃE MENININHA DO GANTOIS, UMA BIOGRAFIA
Autoras:
Regina Echeverria e Cida Nóbrega
Editora: Corrupio e Ediouro
Quanto: R$ 59 (320 págs.)


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