São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2009

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Não, obrigado!

Escritor canadense formula 99 modos de rejeitar um romance, em livro que ironiza as cartas de recusa enviadas por editoras

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Manuscrito rejeitado dói tanto quanto amor não correspondido. Ao menos é o que sugere o canadense Camilien Roy, 45, autor de "A Arte de Recusar um Original", livro em que um fictício aspirante a escritor narra suas investidas infrutíferas para publicar seu primeiro romance por meio das 99 cartas de recusa que recebeu.
A forma é uma homenagem às "contraintes littéraires" (experimentações literárias com restrições, por exemplo, temáticas) do escritor francês Raymond Queneau (1903-1976), autor de "Zazie no Metrô" (adaptado para o cinema por Louis Malle) e "Exercices de Style" (exercícios de estilo), livro que narrava uma mesma história de 99 modos diferentes, classificados segundo o estilo ("vulgar", "parcial" etc.).
Já o conteúdo é uma bem-humorada maneira de Roy criticar a um tanto enfadonha e nada pessoal padronização das cartas de recusa das editoras. Daí seu esforço criativo que inclui um haicai, uma peça de um só ato e até um sistema de resposta eletrônico ("Você teclou 8? Lamento! A decisão da equipe de leitura foi NEGATIVA!").
A ideia de escrever o livro, diz Roy à Folha, veio quando ele recebeu uma carta de recusa de um "editor importante" tão mal fotocopiada que o texto e o logotipo da editora estavam inclinados. "Mas o livro não é um acerto de contas com o mundo editorial.
E sim um modo de, pelo menos uma vez, não ser aquele que recebe as cartas, mas quem as escreve. E ainda de mostrar aos leitores que a publicação de um livro por uma editora respeitável é uma coisa difícil e por vezes cruel".
Para o canadense, autor de dois romances, a mais severa das recusas é a indiferença, que ele representa em seu livro com uma página em branco.
A única de fato positiva seria, por incrível que pareça, um "mal entendido": uma carta enfim elogiosa e incentivadora, enviada por um comerciante, que recebeu o livro por engano.
As cartas verdadeiras
Vivian Wyler, 54, diretora editorial da Rocco, que publicou "A Arte de Recusar um Original", conta que a editora recebe cerca de 40 manuscritos por semana.
Se o livro não é bom, ela é a favor da carta de recusa padrão, pois não haveria "a menor chance de dizer que é ruim, de uma maneira mais suave para o escritor, sem soar falso". Enviada em até 60 dias, em linhas gerais a carta agradece, mas diz que o original não se enquadra na linha editorial.
Há, porém, os meios-termos: "Nos casos em que temos em mãos um original com quase tudo o que deveria ter, mas que não chegou lá, aí mandamos uma cartinha indicando os problemas e as qualidades, e deixando claro que, se o escritor quiser trabalhar o manuscrito de novo, pode reapresentá-lo".
Wyler diz que as cartas de recusa da Rocco não são tão engraçadas quanto as de apresentação que chegam à editora com os originais. Muitas vezes confessionais, elas citam preferências literárias dos neoautores, o modo como começaram a ler e a escrever etc.
Uma dessas missivas rendeu uma piada interna na Rocco: uma escritora do interior de Minas Gerais defendeu seu livro, e sua pretensa vocação para a literatura, dizendo: "Gosto disso, sra. Wyler." A frase acabou virando mote de uso variado na editora.


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