São Paulo, sexta, 21 de fevereiro de 1997.

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LITERATURA
Vitorianos, masturbação e perversão

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

A mensagem do crítico norte-americano William A. Cohen, professor da Universidade de Maryland, chegou à academia britânica -há três semanas- com a fúria de um fenômeno da natureza.
Em ``Sex Scandals - The Private Parts of Victorian Fiction'' (Duke University Press), Cohen avisa: os escritores do período vitoriano, como Charles Dickens, apesar de aparentar o contrário, só escreveram sobre fantasias homossexuais, desejos masturbatórios, transexualismo e anseio pelo irmão do outro sexo.
``Os lunáticos tomaram conta do asilo'', estampou o jornal ``The Observer'' em sua primeira página, reproduzindo a opinião dos críticos e teóricos das universidades de Cambridge e Oxford.
As casas de loucos, no caso, são as instituições de ensino dos EUA. E os malucos, os americanos que teriam se embebedado das teorias francesas das décadas de 60. Chegou a hora da ressaca.
``O livro investiga a maneira como o sexo se tornou um tabu no período vitoriano. O tema era evitado nas duas principais formas de narrativa: os jornais de escândalo e as novelas realistas'', contou Cohen, 32, em entrevista à Folha.
``Minha tese é que os escritores, repórteres e juristas fizeram grande esforço para falar do `impronunciável'.''
``Eu defendo que Charles Dickens, George Eliot, Oscar Wilde e Henry James tentavam driblar as restrições de respeitabilidade. É difícil negar o que Dickens estava fazendo em `Grandes Esperanças'.''
Segundo Cohen, Dickens queria era um grande tratado sobre o onanismo: ``Ele utiliza a imagem da mão por todo o romance''.
``Molly tem mãos fortes, Jagger aponta os suspeitos com seus dedos. No contexto antimasturbatório do período são relevantes essas imagens''. A psicanálise é a ferramenta.
``Eles estão endoidecidos.'' Essa é a afirmação do poeta e professor Bruno Tolentino, que lecionou durante anos na Inglaterra.
``Quando a ideologia se incorpora à crítica e à teoria literária, como no politicamente correto, termina nisso. Mas eu tenho confiança que essa `crítica sexual' -a nova moda na academia americana- não chegue por aqui. Tenho mais confiança no país.''
``Alías, no Brasil, o pior já foi feito pelo Antonio Candido e seu insuportável sociologuês. Por aqui já se fez o mal que se queria fazer.''
Minorias
O trabalho do professor Cohen é fruto direto da tentativa de dar voz às minorias sociais e raciais da sociedade norte-americana: crítica e teoria de gênero. Sua tese pertence ao departamento de estudos da sexualidade de sua universidade, também chamado de ``Estudos Gays e Lésbicos''.
``Meu interesse'', conta Cohen, não é sugerir que Jane Austen era lésbica ou Herman Melville era gay, mas sim contextualizar os escritores em suas culturas.''
Para escrever o livro, diz ainda ter se utilizado dos métodos do pensador francês Michel Foucault (1926-1984) e sua ``História da Sexualidade''. Os culpados, mais uma vez, são os franceses.
``Pessoas de bom senso não podem simplificar uma teoria, mesclando domínios do saber de uma maneira inocente. E esse me parece o caso de parte da atual produção acadêmica norte-americana, que tem sofrido um desvio de método'', diz a professora de literatura francesa e crítica literária Leda Tenório da Motta.
``Na verdade'', fala Leyla Perrone Moisés, da Universidade de São Paulo, ``esses estudos de gênero são resultado de uma batalha por espaço e cargos nas universidades. É uma leitura possível, mas é sempre redutora.''.
``Sem dúvida alguma a produção acadêmica francesa tem culpa nisso, o que o José Guilherme (Merquior) já falava. São uns niilistas de cátedra. Só podia dar em uma coisa dessas'', diz Tolentino.
Cohen se defende dizendo que os ataques, não importa de que lado, são sempre fruto -curiosamente- de uma mentalidade vitoriana presente ainda nos EUA, Inglaterra ou qualquer parte do mundo. Quando o assunto é sexo, é preferível, ainda, manter o silêncio.
``Os conservadores pensam que tratar assim a literatura é uma espécie de `conspiração gay'. São pessoas que foram educadas para acreditar que o sexo não pode ser discutido.''
A interpretação, cuidadosamente, rouba um pouco do espaço da arte.

Livro: Sex Scandals - The Private Parts of Victorian Fiction Autor: William A. Cohen Lançamento: Duke University Press Quanto: US$ 16,95 Onde encomendar: Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 011/285-4033)

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