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LITERATURA
Vitorianos,
masturbação
e perversão
MARCELO REZENDE
da Reportagem Local
A mensagem do crítico norte-americano William A. Cohen, professor da Universidade de Maryland, chegou à academia britânica
-há três semanas- com a fúria
de um fenômeno da natureza.
Em ``Sex Scandals - The Private
Parts of Victorian Fiction'' (Duke
University Press), Cohen avisa: os
escritores do período vitoriano,
como Charles Dickens, apesar de
aparentar o contrário, só escreveram sobre fantasias homossexuais, desejos masturbatórios,
transexualismo e anseio pelo irmão do outro sexo.
``Os lunáticos tomaram conta
do asilo'', estampou o jornal ``The
Observer'' em sua primeira página, reproduzindo a opinião dos
críticos e teóricos das universidades de Cambridge e Oxford.
As casas de loucos, no caso, são
as instituições de ensino dos EUA.
E os malucos, os americanos que
teriam se embebedado das teorias
francesas das décadas de 60. Chegou a hora da ressaca.
``O livro investiga a maneira como o sexo se tornou um tabu no
período vitoriano. O tema era evitado nas duas principais formas de
narrativa: os jornais de escândalo e
as novelas realistas'', contou Cohen, 32, em entrevista à Folha.
``Minha tese é que os escritores,
repórteres e juristas fizeram grande esforço para falar do `impronunciável'.''
``Eu defendo que Charles Dickens, George Eliot, Oscar Wilde e
Henry James tentavam driblar as
restrições de respeitabilidade. É difícil negar o que Dickens estava fazendo em `Grandes Esperanças'.''
Segundo Cohen, Dickens queria
era um grande tratado sobre o
onanismo: ``Ele utiliza a imagem
da mão por todo o romance''.
``Molly tem mãos fortes, Jagger
aponta os suspeitos com seus dedos. No contexto antimasturbatório do período são relevantes essas
imagens''. A psicanálise é a ferramenta.
``Eles estão endoidecidos.'' Essa
é a afirmação do poeta e professor
Bruno Tolentino, que lecionou
durante anos na Inglaterra.
``Quando a ideologia se incorpora à crítica e à teoria literária, como
no politicamente correto, termina
nisso. Mas eu tenho confiança que
essa `crítica sexual' -a nova moda
na academia americana- não
chegue por aqui. Tenho mais confiança no país.''
``Alías, no Brasil, o pior já foi feito pelo Antonio Candido e seu insuportável sociologuês. Por aqui já
se fez o mal que se queria fazer.''
Minorias
O trabalho do professor Cohen é
fruto direto da tentativa de dar voz
às minorias sociais e raciais da sociedade norte-americana: crítica e
teoria de gênero. Sua tese pertence
ao departamento de estudos da sexualidade de sua universidade,
também chamado de ``Estudos
Gays e Lésbicos''.
``Meu interesse'', conta Cohen,
não é sugerir que Jane Austen era
lésbica ou Herman Melville era
gay, mas sim contextualizar os escritores em suas culturas.''
Para escrever o livro, diz ainda
ter se utilizado dos métodos do
pensador francês Michel Foucault
(1926-1984) e sua ``História da Sexualidade''. Os culpados, mais
uma vez, são os franceses.
``Pessoas de bom senso não podem simplificar uma teoria, mesclando domínios do saber de uma
maneira inocente. E esse me parece o caso de parte da atual produção acadêmica norte-americana,
que tem sofrido um desvio de método'', diz a professora de literatura francesa e crítica literária Leda
Tenório da Motta.
``Na verdade'', fala Leyla Perrone Moisés, da Universidade de São
Paulo, ``esses estudos de gênero
são resultado de uma batalha por
espaço e cargos nas universidades.
É uma leitura possível, mas é sempre redutora.''.
``Sem dúvida alguma a produção acadêmica francesa tem culpa
nisso, o que o José Guilherme
(Merquior) já falava. São uns niilistas de cátedra. Só podia dar em
uma coisa dessas'', diz Tolentino.
Cohen se defende dizendo que os
ataques, não importa de que lado,
são sempre fruto -curiosamente- de uma mentalidade vitoriana presente ainda nos EUA, Inglaterra ou qualquer parte do mundo.
Quando o assunto é sexo, é preferível, ainda, manter o silêncio.
``Os conservadores pensam que
tratar assim a literatura é uma espécie de `conspiração gay'. São
pessoas que foram educadas para
acreditar que o sexo não pode ser
discutido.''
A interpretação, cuidadosamente, rouba um pouco do espaço da
arte.
Livro: Sex Scandals - The Private Parts of
Victorian Fiction
Autor: William A. Cohen
Lançamento: Duke University Press
Quanto: US$ 16,95
Onde encomendar: Livraria Cultura (av.
Paulista, 2.073, tel. 011/285-4033)
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