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FERNANDO BONASSI
Aquilo que a ética pode ser
Há muitos pensando que ética é um mito caquético, escrito em grego arcaico e cuja obscura imanência nunca se tivesse
traduzido em transparência para
acabar com a indecência exemplar da permanência milenar de
nosso atraso. O caso é que os kantianos encantados podem especular e se enrolar com seus conceitos
platônicos e pensamentos românticos, mas ética é coisa em si e por
si só deve ser idealizada.
A ética herdada pode ser trágica
ou patética, mas não é uma comédia que se encena para arquibancadas. É peripatética, mas
não fica divagando em círculos.
Ela justamente pede que se dêem
as mãos onde a carência de sentido de direção, ou malandragem
de ocasião, quer o pulso, o braço e
o coração.
Claro que às vezes a ética é ridícula, mais parecendo um negócio
de circo, feito entre palhaços sem
graça que agem pela desgraça do
picadeiro para receberem dinheiro de seguro contra incêndio...
Há uma ética para bandidos,
que é tática, e outra para mocinhos, que é estratégica. A ética
autoritária de certos oficiais graduados pode ser um péssimo
exemplo para os soldados subordinados, derrubando aviões lotados com ilusões de estrelas em
céus de brigadeiro.
A ética deveria entender por inteiro as devastadoras conseqüências das ausências dos seus atos,
mas o fato é que ética tornou-se
hierárquica sem que a mais reles
moral o fosse.
Ética não se pendura no pescoço, como uma medalha reluzente.
A ética está por dentro e costuma
mancar justamente onde é mais
chamada a estar presente.
A ética pode ser ideológica, mas
a ideologia não é ética necessariamente, o que deixa uns vermelhos
descontentes e de sorrisos amarelos com as próprias aventuras nas
legislaturas partidárias.
A ética pode ser patriótica, mas
há circunstâncias históricas em
que a ética se transforma, ou
transtorna, em política teórica.
Porque na prática a ética é mesmo um fenômeno esquisito, que
coexiste nos cidadãos de respeito
e entre suspeitos que adquiriram
cargos públicos, poderes lúdicos e
imunidades únicas para atividades de privada. Assim a ética pode ser falada, fonética ou retórica,
emitida apenas da boca para fora
e a ética pode ser titica, já que alguns a mantêm naquele lugar...
A ética é uma decisão protocolar. A indefinição elementar da
ética pode ser uma dúvida, jamais uma dívida, favor ou conveniência.
A leveza da ética não pesa na
consciência.
Aliás, até os assassinos amorais
e abutres mais selvagens têm as
suas ordens especiais ao se aproximarem das vítimas para explorar suas carniças. Deuses, diabos,
duendes e profetas, mesmo coisas
que não existem têm lá uma certa
ética na sua estética proselitista
de desconforto espiritual.
A ética não é uma maquiagem
superficial, não é protética nem
dietética, ainda que certos comensais engordem demais ao se
livrarem dela em seus excessos
gastronômicos, econômicos ou
puramente megalômanos.
Acontece que os valores estão
mais para bolsas de apostas e bolso dos contraventores do que para
a previdência dos investidores em
carteira...
A ética de um diplomata pode
estar guardada na sua mala intocada ou ser regada a uísque barato, comprado com descontos camaradas nas tendas e temporadas de empresários contrabandistas.
A ética profissional deve ser fria
e calculista, podendo ser médica
ao se tornar crítica a doença da
elite cleptomaníaca. É essa moléstia que faz da ética um negócio
falido para a prosperidade dos
masoquistas de fachada e um negócio fechado para os inquéritos
acertados entre advogados criminalistas e juristas arrivistas. Porque embora a ética não se veja,
não quer dizer que seja cega e surda como a justiça muda que deixa a gente louca com os direitos
que não tem.
Não se iludam leitores desta
edição: a ética pode ser um papel
passado em cartório ou usado no
mictório da redação. É que a ética
de um jornal estaria no editorial,
mas freqüentemente se confunde
mal com a propaganda de anúncios espetaculares.
A ética deve é se sentar nos bancos escolares e não mudar de posição, sejam físicos, materiais ou sexuais os desejos dos alunos e alunas sujeitos à questão. A ética é
aritmética, pois onde subtrai da
indiferença os vetores da divisão,
o resultado é multiplicado pela
soma dos fatores de satisfação.
A ética só existe na cabeça das
pessoas, mas faz uns estourarem
os miolos em desespero e põem
outros afobados de sobreaviso,
preocupados e tensos com o sigilo
malcheiroso dos seus rabos e intestinos presos. A ética pode ser a
negação da razão invocada pela
violência dos que negaceiam e negociam melhor com a pior situação...
Falta de ética teria a ver com
punição, mas são tantos maus
juízos e petições pelas instâncias
que ninguém conhece a desimportância que merece ou, quando
alguém percebe, é tão pouco que
se esquece, pois sequer dá pra matar a sede de vingança cuja má
memória não é de hoje.
Aliás, o que a maioria recebe é
mesmo uma ironia perto do prejuízo tão grande que uma minoria tão pequena causa às causas
do desenvolvimento...
Em tempo: ética que precisa de
conselho não se dá de graça; é vagabunda.
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