São Paulo, sábado, 21 de março de 1998

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DEBATE
Escritor americano participa de debate sobre discriminação
Anthony Marx critica a falta de debate racial no Brasil

da Reportagem Local

Ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos e na África do Sul, o Brasil forjou para uso interno o mito da "democracia racial".
Não segregou o negro com legislação específica. Mas, ao acreditar que resolvia um problema, criou uma série de outros.
Um deles: o negro brasileiro, sem uma forte identidade, demonstra um baixo índice de mobilização.
Outro: o negro não conseguiu colocar na agenda política o tema da discriminação que continua a vitimá-lo. Ainda: o negro na base da pirâmide econômica e social acaba se convencendo que é o único culpado pela situação em que se encontra.
Foram estes alguns dos pontos levantados pelo escritor norte-americano Anthony W. Marx, autor do livro "Making Nations and Race" ("Construindo Raça e Nações"), em debate promovido pela Folha no último dia 11.
O evento foi co-produzido pela Cambridge University Press e pela Editora Martins Fontes, que está lançando o livro em tradução. O debate contou também com a participação de Robert Slenes, professor da Unicamp, e de Suely Carneiro, do Instituto da Mulher Negra.
Anthony W. Marx resumiu, durante o debate, a comparação histórica dos três modelos de segregação.
Nos Estados Unidos, disse, os brancos do Norte e do Sul se reconciliaram após a Guerra Civil com base numa idéia de nação que excluía e discriminava, por meio de leis, a população negra.
Reconciliação parecida ocorreu na África do Sul, entre os colonos de origem holandesa e os de origem britânica, após a Guerra dos Boers, no início do século. O apartheid foi o instrumento da segregação racial.

Daltonismo
No Brasil, ao contrário, nada parecido ocorreu, diz o escritor. Inexistiu algo como o movimento norte-americano pelos direitos civis, que deu à população negra uma bandeira e ao mesmo tempo reforçou sua identidade.
"Não estou advogando o recrudescimento de conflitos nem trazendo receitas, que devem ser produzidas pelos próprios brasileiros. Mas estou certo de que, ao evitarem o problema, os brasileiros impedem que as coisas avancem", disse.
O escritor descartou os fundamentos de outros mitos que, ao lado da "democracia racial", impõem ao Brasil um certo "daltonismo" (não se enxerga a diferença de cor).
São exemplos disso a idéia de que a escravidão no Brasil assumiu uma forma mais humanitária, mesmo com uma taxa de mortalidade que é o dobro da registrada entre os escravos norte-americanos, ou a de que o catolicismo produziu uma sociedade menos excludente, quando, em verdade, a igreja possuía escravos e não tinha forças para acabar com a escravidão.



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