São Paulo, sábado, 21 de abril de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"AS VIAGENS DE MARCO POLO"

Impressões da Ásia do viajante veneziano ganham novo texto de Cony e Lenira Alcure


O homem que inventou a globalização

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Existem livros que são simplesmente publicados, jogados no mundo de qualquer jeito, como um bebê que escapou de ser abortado. Outros são devidamente editados, tratados como um filho há muito desejado. Esse é o caso dessa edição de "As Viagens de Marco Polo", uma obra fundamental da literatura de viagens, provavelmente a mais influente de todos os tempos, que ganha uma nova e bem cuidada edição brasileira, com texto de Carlos Heitor Cony, colunista da Folha, e Lenira Alcure.
Marco Polo foi um comerciante e aventureiro veneziano, nascido possivelmente em 1254, morto em 1324. Marco viveu cerca de 20 anos na Ásia, um raro homem da Idade Média a visitar locais desconhecidos para a imensa maioria dos europeus.
Seu relato de viagens teve portanto um impacto considerável na abertura da mente européia, alimentando o desejo de exploração que resultaria na descoberta da América por Colombo e na criação da rota marítima da Europa à Índia por Vasco da Gama.
Mas, apesar de toda essa influência, surpreende saber que pouco se sabe da vida de Polo além do que está neste livro -o que fez com que alguns chegassem a duvidar da sua existência (como já fizeram tanto com Jesus Cristo como com William Shakespeare).
Hoje os especialistas já não duvidam da sua existência como personagem histórico, embora o texto continue sendo tema para debate sete séculos depois. Polo era um homem da Idade Média, e a tentativa de distinção entre o real e a fábula não estava tão clara.
Ele age como um repórter afobado e maravilhado com o que sabe ser um "furo" de reportagem. Quando é testemunha ocular, descreve de maneira plausível. Mas não resiste a relatar o fantasioso, o que ouviu dizer, pois, mesmo sem comprovação, a história é boa demais para não ser contada.
Mesmo o modo como o relato foi escrito permite miríades de interpretações. Marco, de volta da sua longa viagem, foi capturado pelos genoveses, rivais de Veneza. Na prisão encontrou um escritor de romances de Pisa, Rustichello, para quem ditou suas memórias. O "ghost writer" embelezou o texto, usando por exemplo cenas típicas de romances de cavalaria medievais.
Polo nasceu no lugar certo na época certa: Veneza era o centro do comércio europeu com o Oriente. Seu pai, Nicolò, e seu tio, Maffeo, tinham feito uma viagem à corte do grande líder mongol Kublai Khan, neto de Gêngis Khan. E ao retornar à Ásia levaram o adolescente Marco, então com 17 anos.
Os venezianos foram bem recebidos na corte de Kublai, o "grã-cã". Se tornaram mesmo funcionários da burocracia do império mongol, que empregava gente de várias partes do mundo.
E os costumes desses povos, do Iraque e da Índia, do Japão ao Vietnã, foram descritos em primeira mão por Polo ao ávido leitor europeu.
Só com a expansão portuguesa no século 16 é que a Ásia passou a ser de novo descrita com tamanha riqueza de detalhes.
De todos os locais que visitou, é a China o que mais impressionou o viajante -como aconteceria com qualquer europeu da época. Não só a sua já enorme população, se comparada com a da Europa, mas também a diversidade e pujança da sua economia. Basta lembrar que a produção de ferro chinesa no século 13 só foi obtida na Europa no século 18.
Um livro como "As Viagens de Marco Polo" tem uma história conturbada; não existe uma edição "definitiva". Por isso é louvável a iniciativa dos autores deste novo texto em português de enxertarem notas explicativas, com um detalhe importante que parece óbvio, mas nem tanto, dado o desleixo de muitas editoras: as notas estão de fato no rodapé!
Afinal, este é o típico livro para ser lido na adolescência -e sem o devido cuidado, é difícil atrair essa faixa etária à leitura.
O livro inclui ilustrações em preto-e-branco e mapas, sem dúvida, essenciais para uma obra como essa. O único problema é que são cópias de mapas em inglês, tiradas de um atlas histórico! É um deslize menor, contudo.
Marco Polo disseminou conhecimento e também mitos. Nem os autores do texto escapam de disseminar alguns.
Por exemplo, eles lembram que Polo teria influenciado o infante português dom Henrique, "fundador da Escola de Sagres". Ora, a moderna historiografia portuguesa descarta categoricamente que tenha existido essa tal escola.



As Viagens de Marco Polo
   
Tradução: novo texto estabelecido em português por Carlos Heitor Cony e Lenira Alcure a partir de traduções francesas e de versões italianas Editora: Ediouro
Quanto: R$ 23,90 (260 págs.)




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