|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
"AS VIAGENS DE MARCO POLO"
Impressões da Ásia do viajante veneziano ganham novo texto de Cony e Lenira Alcure
O homem que inventou a globalização
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Existem livros que são simplesmente publicados, jogados no mundo de qualquer jeito,
como um bebê que escapou de ser
abortado. Outros são devidamente editados, tratados como um filho há muito desejado. Esse é o caso dessa edição de "As Viagens de
Marco Polo", uma obra fundamental da literatura de viagens,
provavelmente a mais influente
de todos os tempos, que ganha
uma nova e bem cuidada edição
brasileira, com texto de Carlos
Heitor Cony, colunista da Folha, e
Lenira Alcure.
Marco Polo foi um comerciante
e aventureiro veneziano, nascido
possivelmente em 1254, morto
em 1324. Marco viveu cerca de 20
anos na Ásia, um raro homem da
Idade Média a visitar locais desconhecidos para a imensa maioria
dos europeus.
Seu relato de viagens teve portanto um impacto considerável
na abertura da mente européia,
alimentando o desejo de exploração que resultaria na descoberta
da América por Colombo e na
criação da rota marítima da Europa à Índia por Vasco da Gama.
Mas, apesar de toda essa influência, surpreende saber que
pouco se sabe da vida de Polo
além do que está neste livro -o
que fez com que alguns chegassem a duvidar da sua existência
(como já fizeram tanto com Jesus
Cristo como com William Shakespeare).
Hoje os especialistas já não duvidam da sua existência como
personagem histórico, embora o
texto continue sendo tema para
debate sete séculos depois. Polo
era um homem da Idade Média, e
a tentativa de distinção entre o
real e a fábula não estava tão clara.
Ele age como um repórter afobado e maravilhado com o que sabe ser um "furo" de reportagem.
Quando é testemunha ocular,
descreve de maneira plausível.
Mas não resiste a relatar o fantasioso, o que ouviu dizer, pois,
mesmo sem comprovação, a história é boa demais para não ser
contada.
Mesmo o modo como o relato
foi escrito permite miríades de interpretações. Marco, de volta da
sua longa viagem, foi capturado
pelos genoveses, rivais de Veneza.
Na prisão encontrou um escritor
de romances de Pisa, Rustichello,
para quem ditou suas memórias.
O "ghost writer" embelezou o texto, usando por exemplo cenas típicas de romances de cavalaria
medievais.
Polo nasceu no lugar certo na
época certa: Veneza era o centro
do comércio europeu com o
Oriente. Seu pai, Nicolò, e seu tio,
Maffeo, tinham feito uma viagem
à corte do grande líder mongol
Kublai Khan, neto de Gêngis
Khan. E ao retornar à Ásia levaram o adolescente Marco, então
com 17 anos.
Os venezianos foram bem recebidos na corte de Kublai, o "grã-cã". Se tornaram mesmo funcionários da burocracia do império
mongol, que empregava gente de
várias partes do mundo.
E os costumes desses povos, do
Iraque e da Índia, do Japão ao
Vietnã, foram descritos em primeira mão por Polo ao ávido leitor europeu.
Só com a expansão portuguesa
no século 16 é que a Ásia passou a
ser de novo descrita com tamanha
riqueza de detalhes.
De todos os locais que visitou, é
a China o que mais impressionou
o viajante -como aconteceria
com qualquer europeu da época.
Não só a sua já enorme população, se comparada com a da Europa, mas também a diversidade e
pujança da sua economia. Basta
lembrar que a produção de ferro
chinesa no século 13 só foi obtida
na Europa no século 18.
Um livro como "As Viagens de
Marco Polo" tem uma história
conturbada; não existe uma edição "definitiva". Por isso é louvável a iniciativa dos autores deste
novo texto em português de enxertarem notas explicativas, com
um detalhe importante que parece óbvio, mas nem tanto, dado o
desleixo de muitas editoras: as notas estão de fato no rodapé!
Afinal, este é o típico livro para
ser lido na adolescência -e sem o
devido cuidado, é difícil atrair essa faixa etária à leitura.
O livro inclui ilustrações em
preto-e-branco e mapas, sem dúvida, essenciais para uma obra como essa. O único problema é que
são cópias de mapas em inglês, tiradas de um atlas histórico! É um
deslize menor, contudo.
Marco Polo disseminou conhecimento e também mitos. Nem os
autores do texto escapam de disseminar alguns.
Por exemplo, eles lembram que
Polo teria influenciado o infante
português dom Henrique, "fundador da Escola de Sagres". Ora, a
moderna historiografia portuguesa descarta categoricamente
que tenha existido essa tal escola.
As Viagens de Marco Polo
Tradução: novo texto estabelecido em
português por Carlos Heitor Cony e
Lenira Alcure a partir de traduções
francesas e de versões italianas
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 23,90 (260 págs.)
Texto Anterior: Trecho Próximo Texto: Trecho Índice
|