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CINEMA
Ciclo que começa hoje mostra a liberdade de idéias e de linguagem de uma série de filmes marginais feitos no país
Cinemateca solta os fantasmas dos porões
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Quando se fala em "cinema
marginal", o que nos vem primeiro à mente são os filmes de Rogério Sganzerla e Julio Bressane, como "O Bandido da Luz Vermelha" e "O Anjo Nasceu".
Mas, entre meados dos anos 60
e meados dos 70, floresceu no
Brasil um cinema muito mais
marginal e selvagem, comparado
com o qual os filmes de Bressane e
Sganzerla são obras elegantes de
cinéfilos refinados.
O ciclo "Nos Subterrâneos do
Cinema Brasileiro", que vai de
hoje a domingo, na Sala Cinemateca, em São Paulo, oferece uma
boa idéia do que foi essa efervescente produção.
Entre os filmes programados há
desde clássicos do terror, como
"Exorcismo Negro" (1974), de José Mojica Marins, até raridades,
como o curioso "Cristais de Sangue" (1975), fantasia histórica ambientada na Chapada Diamantina
no período colonial e dirigida pela
italiana radicada em São Paulo
Luna Alkalay.
No filme de Mojica, o cineasta
encena pela primeira vez o confronto entre ele próprio e sua criatura, o Zé do Caixão, num exercício bárbaro (nos dois sentidos) de
metalinguagem.
O próprio Mojica dirige um dos
episódios da "Trilogia do Terror"
(1968), no qual um homem tem
uma crise de catalepsia, cumprindo sua própria premonição de ser
enterrado vivo.
Na mesma trilogia, o episódio
dirigido por Luís Sérgio Person,
"Procissão dos Mortos", é um dos
primeiros filmes a tratar da guerrilha no Brasil, ainda que em chave fantástica: guerrilheiros fantasmas aterrorizam uma cidadezinha do interior.
A trilogia se completa com o
episódio de Ozualdo Candeias,
marginal entre marginais: "O
Acordo" trata do pacto demoníaco pelo qual uma mãe entrega sua
filha virgem ao Diabo.
Alegoria e sexo
Mas nem tudo é terror no ciclo.
Há também a vertente alegórica,
representada por "Orgia, ou o
Homem que Deu Cria", única incursão cinematográfica do escritor João Silvério Trevisan.
Nela, um camponês parte para a
cidade grande depois de matar o
pai e, no caminho, encontra um
anjo, um cangaceiro, um fugitivo
e um intelectual, todos à procura
do Brasil.
O tema do sexo, que então começava a se tornar hegemônico
no cinema comercial brasileiro,
recebe um tratamento original no
clássico "O Pornógrafo", de João
Callegaro, paródia de filme policial centrada numa editora de revistas pornográficas.
Outro destaque da programação é "Meteorango Kid, o Herói
Intergalático" (1969), de André
Luiz Oliveira. Nesse marco do cinema psicodélico, um jovem estudante rebela-se contra os pais,
toma drogas, é atacado por vampiros e vê discos voadores. Tudo
isso no dia do seu aniversário.
O tema da decadência familiar
burguesa reaparece em "Sagrada
Família" (1970), de Sylvio Lanna.
Ao longo de uma viagem, os quatro integrantes de uma família vão
se desfazendo de seus bens e regredindo à barbárie.
Por fim, há o curioso "Emmanuelo... o Belo" (1978), de Nilo
Machado, em que um universitário mulherengo, depois de um
acidente, é visitado no hospital
por várias de suas namoradas,
que passam a brigar entre si e com
o rapaz. Pelas referências, soa como uma versão pervertida do
Truffaut de "O Homem que Amava as Mulheres".
Precários, tateantes, não raro
estridentes, esses são filmes realizados com uma liberdade de
idéias e de linguagem sem precedentes em nosso cinema.
NOS SUBTERRÂNEOS DO CINEMA
BRASILEIRO. Onde: Sala Cinemateca
(lgo. Sen. Raul Cardoso, 207, SP, tel. 0/
xx/11/5084-2177). Quando: de hoje a 25
de abril. Quanto: R$ 8.
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