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ROMANCES
Ambos reunidos na coleção "Tanto Mar", Filipa Melo e Rui Zink partem da morte para investigar o ser humano
Portugueses querem tirar etiquetas da literatura
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Nem Saramago nem Lobo Antunes. Os novos autores portugueses não estão interessados nas
questões coloniais ou pós-coloniais nem em pregar contra a globalização. Pelo menos a julgar pelo que dizem os escritores Filipa
Melo, 31, e Rui Zink, 42, que lançam seus livros pela nova coleção
"Tanto Mar", da editora Planeta,
na Bienal do Livro de São Paulo.
Seus romances tratam de futebol, mídia, cultura pop e morte.
Além disso, os dois querem mais
do que se filiar à literatura portuguesa. Eles querem o mundo.
A morte é o tema que une os
dois romances. Em "Este É o Meu
Corpo", de Filipa, o encontro de
um cadáver desfigurado de mulher é o ponto de partida para investigar o ser humano.
O livro tem longas cenas de dissecação, prática médica que exigiu da autora uma intensa pesquisa. "A imagem de um corpo voltado pelo avesso", afirma, "relaciona-se com minha idéia de que a
morte é um momento de renascimento". Ela explica que, "quando
alguém morre, começa uma nova
vida, feita de memória".
Em "O Reserva", de Zink, um
locutor esportivo distraído atropela e mata um garoto de quatro
anos. A tragédia permite ao autor,
por meio de um punhado de personagens, examinar diversos setores da sociedade portuguesa.
"A morte é um pretexto para falar da vida. Quero acompanhar a
reação das personagens implicadas -o atropelador, a mulher e a
amante dele; o pai, a mãe e o avô
da criança- e também da sociedade e da lei. O leitor vai reconhecer-se nalguma daquelas boas
pessoas. Os grandes crimes são
cometidos por boas pessoas."
O livro de Zink, que é professor
da Universidade Livre de Lisboa e
doutorando em HQs, foi adaptado para a edição brasileira. A começar pela troca do título lusitano, "O Suplente", que para nós
parece ter conotação política.
Melo e Zink citam sem pestanejar alguns nomes da literatura
brasileira contemporânea, como
Adriana Lisboa, Bernardo Carvalho, Marilene Felinto. Também
mostram admiração por Rubem
Fonseca: "Pode-se dizer que é um
mestre que influenciou a escrita
portuguesa", comenta Zink.
Mas não conhecem os autores
da chamada Geração 90 (Marçal
de Aquino e Nelson de Oliveira,
para citar dois). Do outro lado da
balança, os brasileiros ignoram
boa parte do que se passa no atual
cenário literário português. Como
acabar com essa ignorância?
Filipa Melo tem uma resposta
na ponta da língua: a responsabilidade cabe à imprensa especializada. "Em Portugal se fala muito
de uma irmandade com o Brasil; o
que falta é existir essa irmandade.
Os jornalistas de cultura têm um
papel crucial nas pontes que se estabelecem entre as propostas literárias dos dois países."
Melo e Zink não gostam de ser
etiquetados como "nova geração". Para Zink, "a cultura da novidade é perigosa. As alianças entre autores criam-se pela estética;
o que se dá independentemente
de geração ou nacionalidade".
Para Melo, "catalogar está fora
de moda; é preciso tirar as etiquetas. É óbvio que meu romance é
português, mas pode se passar em
qualquer outro local". Zink também almeja um alcance maior:
"Quero um leitor que viaje com o
livro. As palavras são postas como
pedrinhas escondidas sob a água,
por cima das quais ele deve caminhar nesse maravilhoso oceano
que é a inteligência do mundo".
Mas, voltando à importância de
o leitor brasileiro vir a interessar-se pela ficção da "terrinha", Zink
brinca: "Olha, nós temos o Deco
[o jogador brasileiro Anderson
Luís de Sousa], naturalizado português, temos uma moeda forte, o
euro. Acho que está mais do que
na hora de os brasileiros começarem a "amar" a nossa literatura!".
ESTE É O MEU CORPO. Autora: Filipa
Melo. Editora: Planeta. Quanto: R$ 25
(136 págs.).
O RESERVA. Autor: Rui Zink. Editora:
Planeta. Quanto: R$ 25 (280 págs.).
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