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CINEMA
Kore-eda mostra história real de crianças "invisíveis" ao mundo
Diretor filma perguntas que não têm respostas
PHILIPPE PIAZZO
DO "MONDE"
Aconteceu há 16 anos, em Tóquio. A mídia tomou conhecimento do fato, e, de uma hora para outra, aquilo que ninguém havia visto passou a ser superexposto. Quatro crianças viviam num
apartamento com sua mãe. Elas
não tinham sido registradas, não
iam à escola -eram invisíveis aos
olhos da sociedade. Sua mãe, cada
vez mais ausente, um dia partiu e
não voltou mais. Durante algum
tempo enviava dinheiro esporadicamente às crianças, mas depois
não chegou mais nada. As crianças continuaram a viver da maneira que conseguiam, sem que
ninguém se preocupasse. Até o
dia em que uma delas morreu.
Por que essa história de família
se deu dessa maneira? "Ninguém
Pode Saber". Então, para fazer este filme, Hirokazu Kore-eda resolveu indagar: "Como?". Como
foi possível que os dias passassem
sem que os vizinhos se preocupassem? Como as crianças se organizaram para continuar clandestinas, para sobreviver?
"Quando foi descoberta a morte
da garotinha, todo mundo acusou
o irmão mais velho, [Akira, interpretado por Yuya Yagira, vencedor do prêmio de interpretação
masculina no Festival de Cannes].
A polícia interrogou as crianças,
mas elas defenderam seu irmão.
Ele havia feito tudo o que podia
para defender aquela célula familiar, e foi isso o que eu quis mostrar", diz o cineasta.
"Recriar seu cotidiano, filmar
em detalhe o que elas devem ter
vivido e sentido ao longo daqueles meses, com toda a dificuldade
para se alimentar, se vestir, se
manter limpas... Mostrar essas
provações, mas sobretudo os momentos de felicidade. Não observar as crianças, mas estar com
elas. Nesse ponto que começa a
ficção. A história é verídica, mas
eu usei as condições de vida reais
para a busca da sensação."
"Ninguém Pode Saber" é uma
metáfora de uma existência plena
de promessas, mas cujo fim parece brusco demais. Como imaginar que essa vida possa terminar
antes mesmo de serem dados os
primeiros passos da idade adulta?
Mais uma razão para aproveitar
sua essência no instante presente.
Mas como? Em "Depois da Vida" (1998), mortos podem escolher, entre suas lembranças, o melhor momento de sua vida. Em seguida, tudo será feito para reconstituir com precisão esses instantes
com as quais a pessoa irá adormecer para sempre.
Uma grande parte do tema mais
profundo de "Ninguém Pode Saber" já estava em "Depois da Vida": o preço da vida não é determinado por ninguém além de
nós. Confrontados com a angústia de perguntas que não têm resposta, "ninguém pode saber",
mas cabe a cada um de nós avaliar
nosso prazer em viver. Aqui, para
as crianças, se a vida terminasse
de uma hora para outra, ela seria
interrompida no calor dos irmãos
e irmãs aconchegados para dormir juntos e enfrentar as coisas
juntos.
Em "Ninguém Pode Saber", o
diretor procura pela primeira vez
superar as tentações da abstração
e do esteticismo para apreender a
espessura carnal de seus personagens. O filme deve muito a seus
atores, a sua graça e sua gravidade, que o diretor soube respeitar,
organizando as filmagens ao longo das estações, durante um ano.
Sua fragilidade, sua cumplicidade, sua evolução, nada disso é fingido. Apenas não é verídica a situação que eles representam, e
que remete a uma realidade. Que
revela sua verdade, aquela que
também revela a notícia do jornal:
a dor de crescer.
Tradução de Clara Allain
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