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Crítica/narrativa
Benjamin Kunkel usa humor e ironia no romance de estréia "Indecisão"
RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Comecei a escrever
memórias hoje. Como escrevo rápido!
Fácil como falar."
A frase, anotada pelo personagem Dwight Wilmerding em
seu diário, refere-se a "Indecisão", livro que ele protagoniza.
O romance, lançado em 2005,
marcou a estréia no gênero,
com larga repercussão, do americano Benjamin Kunkel.
Ao contrário, no entanto, do
que o narrador Dwight insinua,
"Indecisão" custou a sair. Pudera. Embora quisesse muito
escrever um romance, Kunkel
não sabia o que abordar. Decidiu pôr em cena justamente um
nova-iorquino "perdido", que
viu as torres gêmeas do World
Trade Center virarem pó, de
maneira a fazer com que a trama se tecesse em torno de sua
busca de sentido para a vida.
Romance de formação
Como uma espécie de "Bildungsroman", o romance de
formação consagrado por Goethe, com a particularidade de
ter um protagonista de 28 anos,
cujos atos parecem os de um
adolescente, "Indecisão" remete a "O Apanhador no Campo
de Centeio", de J.D. Salinger.
O título do livro sinaliza o
mote da história. O personagem central, filho de pais separados, formado em filosofia, recém-demitido de um emprego
na área de informática, numa
função terceirizada (atendia
"usuasnos"), é apresentado como alguém que sofre de incapacidade de tomar decisões; na
hora em que precisa fazer isso,
joga uma moeda para o alto. Assim, ele aceita experimentar
um medicamento que lhe ajudaria a se curar do mal.
É nessa circunstância que
Dwight viaja para Quito, a fim
de encontrar uma antiga colega
de escola (Natasha), depois de
receber dela uma mensagem
"que podia ser interpretada como um autêntico convite" para
que ele fosse visitá-la. No Equador, por conta de um arranjo
mirabolante, acaba se envolvendo com uma jovem que vai
buscá-lo no aeroporto ao lado
da amiga: a estranha Brigid.
Com humor e sobretudo ironia não é desse modo que se deve ler, por exemplo, o suposto
interesse incestuoso de Dwight
pela irmã, que se propõe a ouvi-lo em sessões de caráter psicanalítico? Ou a conversão do
protagonista ao que ele chama
de "socialismo democrático"?
Kunkel conduz uma narrativa
ágil, que, entretanto, transmite
às vezes uma incômoda sensação de artificialidade. É como
se algumas notas das aulas de
escrita criativa tomadas pelo
autor na Universidade Columbia saltassem do caderno para a
página impressa.
Nascido no Colorado em
1972, Kunkel estudou literatura inglesa em Harvard e fundou
com amigos de lá a "n+1", publicação de assuntos culturais e
políticos; colabora com o "New
York Times" e tem Franz Kafka e Samuel Beckett como referências. Aguarde-se o próximo
capítulo de sua trajetória.
RINALDO GAMA é doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP.
INDECISÃO
Autor: Benjamin Kunkel
Tradução: Daniel Galera
Editora: Rocco
Quanto: preço a definir (258 págs.)
Avaliação: regular
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