São Paulo, sábado, 21 de abril de 2007

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Crítica/narrativa

Benjamin Kunkel usa humor e ironia no romance de estréia "Indecisão"

RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Comecei a escrever memórias hoje. Como escrevo rápido! Fácil como falar."
A frase, anotada pelo personagem Dwight Wilmerding em seu diário, refere-se a "Indecisão", livro que ele protagoniza. O romance, lançado em 2005, marcou a estréia no gênero, com larga repercussão, do americano Benjamin Kunkel.
Ao contrário, no entanto, do que o narrador Dwight insinua, "Indecisão" custou a sair. Pudera. Embora quisesse muito escrever um romance, Kunkel não sabia o que abordar. Decidiu pôr em cena justamente um nova-iorquino "perdido", que viu as torres gêmeas do World Trade Center virarem pó, de maneira a fazer com que a trama se tecesse em torno de sua busca de sentido para a vida.

Romance de formação
Como uma espécie de "Bildungsroman", o romance de formação consagrado por Goethe, com a particularidade de ter um protagonista de 28 anos, cujos atos parecem os de um adolescente, "Indecisão" remete a "O Apanhador no Campo de Centeio", de J.D. Salinger.
O título do livro sinaliza o mote da história. O personagem central, filho de pais separados, formado em filosofia, recém-demitido de um emprego na área de informática, numa função terceirizada (atendia "usuasnos"), é apresentado como alguém que sofre de incapacidade de tomar decisões; na hora em que precisa fazer isso, joga uma moeda para o alto. Assim, ele aceita experimentar um medicamento que lhe ajudaria a se curar do mal.
É nessa circunstância que Dwight viaja para Quito, a fim de encontrar uma antiga colega de escola (Natasha), depois de receber dela uma mensagem "que podia ser interpretada como um autêntico convite" para que ele fosse visitá-la. No Equador, por conta de um arranjo mirabolante, acaba se envolvendo com uma jovem que vai buscá-lo no aeroporto ao lado da amiga: a estranha Brigid.
Com humor e sobretudo ironia não é desse modo que se deve ler, por exemplo, o suposto interesse incestuoso de Dwight pela irmã, que se propõe a ouvi-lo em sessões de caráter psicanalítico? Ou a conversão do protagonista ao que ele chama de "socialismo democrático"?
Kunkel conduz uma narrativa ágil, que, entretanto, transmite às vezes uma incômoda sensação de artificialidade. É como se algumas notas das aulas de escrita criativa tomadas pelo autor na Universidade Columbia saltassem do caderno para a página impressa.
Nascido no Colorado em 1972, Kunkel estudou literatura inglesa em Harvard e fundou com amigos de lá a "n+1", publicação de assuntos culturais e políticos; colabora com o "New York Times" e tem Franz Kafka e Samuel Beckett como referências. Aguarde-se o próximo capítulo de sua trajetória.


RINALDO GAMA é doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP.

INDECISÃO
Autor:
Benjamin Kunkel
Tradução: Daniel Galera
Editora: Rocco
Quanto: preço a definir (258 págs.)
Avaliação: regular


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