São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

De pernas para o ar

Divulgação
Neve Campbell em cena de "De Corpo e Alma", filme de Robert Altman que estréia hoje no Brasil


ROBERT ALTMAN INVESTIGA A DANÇA

KATIA CALSAVARA
DA REDAÇÃO

Mito do cinema independente décadas antes de esse ter se tornado um gênero à parte, o diretor Robert Altman, 79, jamais deixou de ser um outsider. Foi fora do padrão que ele criou e consolidou o formato "filme-coral" (em que muitos personagens entram e saem de cena, se conectam e se interferem e nenhum chega a ser mais importante que outro), desde o genial "Nashville" (1976) até os mais populares "Short Cuts - Cenas da Vida" (1993), "O Jogador" (1992) e "Assassinato em Gosford Park" (2001).
O formato ainda dá bons frutos. Mais que coral, Altman agora faz balé com as câmeras. "Quando me apresentaram o roteiro, resolvi não fazer. Disse que não sabia nada a respeito e que não era a pessoa certa para isso. Depois pensei bem e achei que deveria investir em coisas que não sei", disse Altman, em entrevista à Folha, por telefone, de Nova York.
Seu mais novo filme, "The Company", que estréia hoje como "De Corpo e Alma", retrata o cotidiano do Joffrey Ballet, de Chicago. O roteiro é da atriz Neve Campbell (da série "Pânico") em parceria com Barbara Turner.
Campbell, que estudou dança por muitos anos no Canadá, tinha o sonho de fazer um filme sobre o tema. Voltou aos pliés e exercitou-se por dois anos para interpretar Ry. Para a direção, convidou Altman, que aceitou o desafio.
 

Folha - É verdade que, quando o sr. recebeu o convite para fazer o filme, pensou: "Isso não é para mim?". O que mais o instigou no universo da dança?
Robert Altman -
Não tinha nenhuma experiência com dança antes de "The Company". Quando me apresentaram o roteiro, resolvi não fazer. Disse que não sabia nada a respeito e que não era a pessoa certa para isso. Depois, pensei bem e achei que isso era exatamente o que eu deveria fazer - investigar coisas que não sei.

Folha - Depois de ter participado da experiência, como o senhor avalia esse universo?
Altman -
Bem, eu realmente o desconhecia. Fiquei com um pouco de medo, mas decidi filmá-lo. Fui para Chicago e passei dois meses vivendo com aqueles dançarinos. Acho que eles são pessoas muito nobres. Certamente não dançam por dinheiro. Fazem pelo amor à arte.

Folha - Quando o sr. dirigiu "Kansas City" (1996) disse que o interesse foi fazer uma peça de jazz. Houve a mesmo disposição de recriar a dança com os meios do cinema em "The Company"?
Altman -
Sim, exatamente isso. Mas a diferença é que em "Kansas City" eu estava completamente familiarizado com o jazz. Então, essa foi mesmo uma experiência muito nova pra mim. Era um mundo com o qual eu não estava familiarizado.

Folha - Mais uma vez o sr. trabalha com muitos personagens, como já fez em "Short Cuts - Cenas da Vida", em "Assassinato em Gosford Park" e tantos outros. Quais são as particularidaders de conduzir um elenco com muitos participantes?
Altman -
Normalmente são os atores que conduzem. Em "The Company", descobri que todos aqueles dançarinos eram parte de um time. Eram muito disciplinados. Foi muito fácil dirigi-los para fazer aquilo que eles já fazem. Porque eu não precisava pedir a eles que realizassem coisas que não estavam acostumados a fazer.

Folha - Como o sr. define "The Company" em relação a seus outros filmes?
Altman -
Cada filme tem seu próprio DNA, suas particularidades e é isso que o torna ou não interessante. Nesse, eu tentei mostrar a vocês, que formam o público, aquilo que eu me imaginaria interessado em ver.

Folha - Convidados pela Folha, alguns bailarinos e diretores de companhias de dança de São Paulo consideraram o filme quase um documentário, sobretudo pelo retrato isolado do Joffrey Ballet. O senhor trabalhou com esse ponto de vista?
Altman -
Eu concordo com essa opinião. Eu acho que está correta. Nós criamos um filme-documentário. O que eu fiz, em resumo foi simplesmente filmar o dia-a-dia do Joffrey Ballet.

Folha - Eles [diretores, bailarinos] também tiveram a impressão que o filme retrata com acuidade o lado descartável daqueles artistas...
Altman -
É exatamente sobre isso que o filme trata. Eles são como atletas, são como um time esportivo. Machucados e contusões são muito comuns, eles precisam tomar cuidado, treinar. Eu os achei muito nobres.

Folha - O senhor utilizou alguma técnica especial para filmar os movimentos de dança?
Altman -
É a primeira vez que trabalho com câmeras de vídeo de alta definição. Não é muito diferente. Não foi filmado em película, então usamos muitas câmeras ao mesmo tempo, cerca de quatro ou cinco o tempo todo.

Folha - A cena da dança ao ar livre, com a chuva, o vento, é uma das mais bonitas do filme...
Atman -
Aquilo realmente ocorreu com a companhia. Aconteceu com eles. Nós apenas recriamos o momento.

Folha - Como o senhor avalia o trabalho de Neve Campbell, atriz, bailarina e co-roteirista do filme?
Altman -
Esse é um projeto dela [Neve Campbell]. Foi ela quem desenvolveu. Neve e Barbara Turner [a roteirista] passaram dois anos com aquela companhia. Fizeram todo o trabalho. Então, é realmente um filme delas. Elas pediram para eu fazer e eu fiz.

Folha - Qual sua opinião sobre a presença norte-americana no Iraque e as posições do governo Bush.
Altman -
Não me agrada nem um pouco. Estou muito, muito infeliz com a posição de Bush.

Folha - O senhor conhece o cinema brasileiro? Já viu algum filme que tenha chamado sua atenção?
Altman -
"Cidade de Deus". É um dos melhores filmes a que assisti em muitos anos.


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.