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Asia Argento descreve
tristeza da infância
PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Cannes 2004 chega à reta final
dominado por dois temas: a política (exemplo claro em "Fahrenheit 9/11", de Michael Moore) e o
abuso e abandono infantil, presente em um punhado de filmes
(de "La Mala Educación", de Almodóvar, a "Nobody Knows", de
Hirokazu Kore-eda). Mas a abordagem mais radical veio dos olhos
de Asia Argento, diretora e atriz
de "The Heart Is Deceitful above
All Things" (O Coração É Enganador acima de Tudo), exibido na
Quinzena dos Realizadores.
Aos 28 anos, Asia Argento tem
mais de 30 longas como atriz, boa
parte deles dirigidos por seu pai, o
mestre do horror italiano Dario
Argento. Mas está abandonando
o título de diva do cinema gótico
para abraçar o de cineasta "underground". Em 2000, estreou como diretora com "Scarlet Diva",
sobre uma estrela em viagem autodestrutiva, história de caráter
visivelmente autobiográfico. Agora, tomou a narrativa autobiográfica de um outro autor para falar,
indiretamente, de sua infância.
Ela conta que encontrou no livro homônimo de J.T. Leroy um
espelho de seus tempos de criança. "Apesar das diferenças, que
são imensas, reconheci minha infância ali. O livro me fez pensar
em cores, luzes e cheiros de um
mundo que foi muito parecido
com o meu", diz Asia, que faz a
mãe destrutiva do pequeno Jeremiah, alter ego de Leroy.
De mãe ausente, ela assume um
papel ainda mais perverso, seguidamente recuperando e abandonando a criança, vítima de toda a
sorte de abusos dos muitos homens da vida dela. O garoto é interpretado por três atores em desempenho excepcional: Jimmy
Bennet, que faz Jeremiah quando
bem pequeno, e os gêmeos Dylan
e Cole Sprouse, revezando-se nas
cenas em que está mais crescido.
Asia assegura que sua infância
não foi tão traumática, mas reconhece que ser criança, para ela, foi
algo triste. Aos cinco anos, viu pela primeira vez um filme de horror do pai. Não sabe qual, mas as
lembranças não são as melhores.
"Não sou meu analista, por isso
não posso dizer o que isso representou. Mas não vou deixar minha filha ver filmes de terror nessa
idade. Não é moralismo, só acho
que crianças pequenas não devem passar por essa experiência."
Asia agora é mãe de uma menina de três anos e diz que está em
fase de transformação: "Esse filme me ensinou muito. Aprendi
que a vida não precisa ser uma
guerra o tempo todo. Também estou aprendendo com minha filha,
lutando para que ela seja feliz".
Apesar de não ser um filme de
horror convencional, a visão da
infância pintada em "The Heart"
é apavorante. "O mundo da criança é de injustiça. Não me refiro só
às que sofreram grandes abusos.
Quer injustiça maior do que querer um sorvete e não poder ter?"
Agora, viaja aos EUA, onde vai
atuar em "Last Days", novo filme
de Gus van Sant, sobre a cena musical grunge. "O filme se passa nos
dias que antecederam o suicídio
de Kurt Cobain. Sou dessa geração, adorava o Nirvana. Acho que
será outra experiência pessoal."
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