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Crítica/"Quincas Berro d'Água"
Adaptação de livro de Jorge Amado tem bom elenco, mas perde com rigidez
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
De Jorge Amado espera-se um tom pitoresco e
feliz que deriva em
grande medida dos valores ou
de vivências populares. Talvez
seja o mais traduzido dos romancistas brasileiros.
É possível que isso se deva,
em parte, àquilo que em tempos menos respeitosos chamava-se "macumba para turista":
uma idealização de aspectos da
vida das pessoas simples.
"A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água" é um momento de Amado em que as virtudes desse tipo de concepção
aparecem com espontaneidade
notável e as possíveis limitações parecem desaparecer.
É um ponto alto do escritor,
sem dúvida, a história do sujeito Quincas, que começa por ser
um honesto funcionário, marido e pai até que manda tudo para o espaço e substitui a rotina
familiar pela boemia e pelos renegados de Salvador.
O significado dessa troca não
escapa, certamente, a Sérgio
Machado, diretor do filme. Escracho, bebedeiras, malandragem equivalem à vida. Mas são
também uma maneira de resistência à dominação burguesa.
A uma ética do trabalho que a
elite baiana (ou brasileira) cultiva mais para impor aos serviçais que para uso próprio. Uma
resistência bem-humorada a
um Brasil quase escravocrata.
A introdução da morte nesse
ambiente tão vital é, claro, um
paradoxo. Quincas não poderia
morrer. E, não por acaso, os
amigos se recusam a admitir
que esteja morto. Onde outros
veriam um cadáver, eles veem
um boêmio que exagerou ao
encher a cara.
Se essa história fascinante é,
além do mais, bastante valorizada por um belo elenco, em
que Paulo José faz um morto
dotado de sutileza digna dos
mais vivos, por que tende o espectador a se sentir incomodado na poltrona quando o filme
nem chegou à metade?
É possível que o original, até
a vivacidade do falar dos personagens, tenha seduzido a tal
ponto os autores que sentimos
boa parte da imagem como mera ilustração de um texto.
A marca da morte parece
mais presente que no próprio
defunto: é como se a rigidez da
recente "qualidade brasileira"
aparecesse ali não só na obsessiva necessidade de mostrar
produção como no uso de vinhetas que se detêm no acessório em prejuízo do essencial.
As sequências finais parecem
pretender fazer de Salvador um
apêndice de Hollywood, o que é
a demonstração, bem sintética,
do tipo de desnaturamento a
que o cinema brasileiro se sujeita quando, empenhado em
impressionar, deixa para trás o
que tinha a dizer.
QUINCAS BERRO D'ÁGUA
Direção: Sérgio Machado
Produção: Brasil, 2010
Com: Paulo José, Marieta Severo,
Mariana Ximenes
Onde: nos cines Kinoplex Itaim, Villa-Lobos e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: regular
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