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Proscrito, Simonal tenta cantar em SP
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Há um show na cidade neste fim-de-semana. Quem faz o show é um
proscrito. Carioca "do subúrbio",
Wilson Simonal, 61, é em música o
braço à direita do extremismo político do Brasil militar. Enquanto
os centros galgaram o poder, os extremos -Simonal de seu lado, Geraldo Vandré à esquerda- experimentaram o expurgo, sumiram da
vida nacional.
Simonal reaparecer e buscar nova brecha dá oportunidade de lembrar o pó que cultiva ácaros debaixo do tapete, de uma história pop
desviada de parâmetros quaisquer. Egresso do grupo de influência do "agitador cultural" Carlos
Imperial -como Roberto Carlos-, foi crooner e membro de
banda de rock até se vincular, em
termos, à bossa nova.
Optou por aderir artifícios populares às complicações harmônicas
do estilo. Ao mesmo tempo em
que acendia o farol de pioneiro na
música negra brasileira, se esquivava de identificações imediatas
com samba, soul ou funk.
Fincando sucessos nacionais como "Meu Limão, Meu Limoeiro"
(66), "Sá Marina" (68) e "País Tropical" (69), tornou-se artista dos
mais populares do Brasil pré-festivais da canção, comparável, provavelmente, apenas a Roberto Carlos. Adquiriu prestígio popular, dinheiro e poder.
A história toda ruiu sob episódios ainda hoje nebulosos. Acusado, em 1971, de sequestrar e torturar, com dois agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e
Social), um ex-funcionário que supostamente o roubara, em 1974 foi
condenado a cinco anos de prisão
-ficou preso por uma semana e
foi libertado por habeas corpus.
No processo, foi caracterizado
como colaborador do regime
-numa época em que o regime
ditava tudo. O delegado que presidiu o inquérito afirmou: "Ele me
disse que trabalhava para os órgãos de segurança e o Dops. Como
fez essa declaração em cartório,
mandei que ela constasse em seu
depoimento".
Hoje, Simonal nega tudo e brande documentos mais ou menos recentes expedidos pelo Ministério
do Exército e pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, que
atestam que nada consta em arquivos de órgãos federais sobre suas
supostas atividades de informante.
A tarja de "delator" colou-se a
ele, no entanto, e sua carreira entrou em declínio. Vive, hoje, de
gravar esporádicos discos independentes -e, só no exterior, um
CD pela Sony- e fazer shows modestos em casas pequenas.
Visível de novo devido à minitemporada no teatro Crowne Plaza, falou à Folha no flat em que
mora, na zona sul de São Paulo.
Leia trechos a seguir.
Folha - Como você começou a
cantar?
Wilson Simonal - Comecei como
crooner, foi assim que me destaquei. Estudei em seminário, onde
aprendi a cantar nos coros, em latim. Depois, no Exército, era eu
quem ensinava os hinos. Eu tinha
ouvido, era fácil.
Folha - O período de Exército influenciou sua carreira?
Simonal - Acho que sim. Ali
aprendi a ser disciplinado, a respeitar hierarquia. Dei baixa como
sargento e fui ser crooner. Tinha
que cantar de tudo. Hoje existe essa burrice de rotular fulano de sertanejo, pagodeiro. Intérprete é
quem canta qualquer coisa. Essas
categorias não partem do povo,
que é muito mais aberto e inteligente que os "eugênios", como eu
chamo. Os "eugênios" estão na imprensa, na publicidade, nas gravadoras, nos serviços de informação.
Não convivem com o povo.
Os que pregam a chamada democracia entre aspas nem sabem o
que é isso. São os mais autoritários,
não aceitam o ponto de vista de um
terceiro. É "coco wash", lavagem
cerebral. Dizem que a Globo tem a
maior audiência, isso é mentira.
A Globo toca pagode, axé, você
passa a acreditar. É "coco wash".
Não é que o povo não goste de música clássica, é que não tem grana
para ir ao Teatro Municipal. Quem
vai ouvir música clássica no Ibirapuera é o povo, bacana não vai.
Folha - Por que você não se tornou um sambista ou um representante do movimento black?
Simonal - Nunca tive pretensão
de criar um movimento black.
Nunca entrei em estereótipo. Não
tinha rastafari, "mama África".
Sou brasileiro, não sou africano.
Não tenho nada contra quem gosta
de se vestir como índio africano,
mas me influenciei vendo os artistas negros americanos, elegantes.
Sou cantor e canto samba muito
bem. Mas gosto da música harmônica. É biológico, sou arranjador.
Toco piano, trompete, violão. Gostava de jazz, me identifiquei com a
bossa nova. Mas era feita por gente
de classe média alta, e eu morava
em Areia Branca. Nara Leão cantando é bacana com champanhe,
mas no subúrbio a forma de participação é diferente, mais malandra. Fui o único que gravou bossa
nova com orquestra, big band.
Me acham pretensioso, mas esse
pagode atual é todo igual porque
não há esse trabalho. Arranjador e
intérprete não ouvem um ao outro. A culpa é dos produtores fonográficos, que não estão interessados em criar, mas em copiar.
Folha - Os "eugênios" o aceitavam?
Simonal - A grande maioria nunca gostou, eu estava fora do padrão. Era um negro que falava dois
idiomas, falava direito, apresentava programa de TV. Quem entendia de música me respeitava, Tom
Jobim era meu fã. Mas eu gravava
"Meu Limão, Meu Limoeiro", sabia que era uma merda. Não se pode dizer que é música. Tinha umas
cascatas, mas vendeu pra burro.
Folha - O sucesso o deslumbrou?
Simonal - Não. Me chamaram de
pretensioso, preconceituoso, arrogante, folgado. Houve racismo,
porque eu andava em bons carros,
casei com uma mulher loira.
Folha - O caso de Jorge Ben era
parecido, mas não aconteceu o
mesmo com ele.
Simonal - Mas ele nunca chegou
ao patamar em que eu cheguei, de
botar 30 mil pessoas no Maracanãzinho, ensaiar o "Hino Nacional"
com elas. Eu passei a ser uma pessoa perigosa, por causa do sucesso.
Folha - Como era a sua relação
com os artistas que surgiram pouco depois de você -Chico Buarque, os tropicalistas?
Simonal - Convivi mais ou menos com Guilherme Araújo, que
era empresário dos tropicalistas.
Quando bolaram a tropicália, ele
me convidou para participar e eu
não quis. Era fora do meu espírito.
Chico tinha o mesmo empresário
que eu. Convivi com ele e Caetano
no programa "Esta Noite Se Improvisa". Era tudo brincadeira. A
gente combinava antes, Chico roubava muito. A platéia me assoprava. Eu roubava tanto que o pessoal
ligava para a TV reclamando.
Folha - Seu disco de 67, "Alegria,
Alegria!!!", é anterior à música de
mesmo nome de Caetano, não?
Simonal - Sim, isso era um bordão que eu usava no meu programa de TV. Ele fez a música, depois
eu também gravei. Olha, o que neguinho me copiou...
Quando eu fazia show, levava
Elis para cantar comigo como convidada. Ninguém sabia quem era
ela, e eu estava meia bomba, mas
bomba a favor. Eu a trouxe para fazer meu programa, então perceberam que dava negócio um negão
cantando com uma branquinha.
Eu já tinha meu programa, então
sugeri Jair Rodrigues para fazer o
programa com ela, apesar de que ele não tem nada a ver com ela.
Folha - Porque em 70
você trocou a Odeon (hoje EMI) pela Philips (agora Universal)?
Simonal - Fui seduzido
por um sujeito que veio
para acabar. (Silêncio.)
Folha - O André Midani
(então diretor na Philips)?
Simonal - (Silêncio.)
Acabou a qualidade da
música, até mesmo do
pessoal bom, Gil, Caetano, que eram da Philips.
Vê o que eles fazem hoje,
por interesses de fora.
Quando você começa a
competir com o poder
econômico de fora, mela.
"Mela esse cara", porque
atrás de mim vinha gente.
O que é bem feito incomoda lá fora. O que fiz foi
abrasileirar as coisas de
fora. Vêem que o "filho
da puta" está se infiltrando ali, dizem "não pode".
Vender mais discos no
Brasil que os Beatles é fogo. Eu vendia mais que
todo mundo, tropeçava e
nego batia palma.
Fui perseguido por
agências de publicidade.
Quando fui fazer propaganda da Shell, ganhando grana
pesada, comecei a ter problema
com a Standard, uma agência de
publicidade de origem americana.
Abri uma firma própria. Aí se uniram todos, "vamos sacanear esse
filho da puta". Se todo mundo começasse a abrir agência, acabava o
monopólio que mandava no Brasil. Continuei gravando letras fortes, mas o rádio parou de tocar.
Folha - Você dá a entender que
parou de tocar por razões econômicas. Não foi por razões políticas?
Simonal - Também, mas Chico
Buarque tem problema político?
Por que ele não toca?
Folha - Tem respaldo de mídia,
como Caetano, que toca no rádio.
Simonal - Caetano não é mídia. É
grana, Toninho Malvadeza. Coincidentemente, foi no episódio com
as agências que tudo aconteceu.
Folha - O que aconteceu?
Simonal - Não houve problema
nenhum. O contador realmente
me roubava. Tinha gente junto
com ele, o João Carlos Magaldi,
que era colado da Standard. Quando fiz a Simonal Comunicações,
fui roubado pelo Magaldi junto
com o contador. Magaldi (já morto) foi padrinho de casamento do
Boni. Por isso não toco na Globo.
Folha - Você não toca por isso ou
por causa da pecha de delator?
Simonal - Tenho esses documentos que reconhecem e provam que
nunca fui informante. Os jornais
não publicaram isso. Que medo é
esse? Quem inventou tudo isso?
Ninguém tem prova.
Folha - Os documentos só dizem
que não há registros, não que os
fatos não tenham ocorrido.
Simonal - Se acontecesse tinha
que estar registrado. Tudo é registrado. Tudo. O que não é registrado é crime. Calúnia, difamação. Se
não existe é porque não existiu. Eu
tinha amigos comunistas. Já fui até
pedir para soltar, dei esporro, me
desgastei. Quiseram censurar
"Tributo a Martin Luther King",
disseram que era música racista,
que colocava os negros contra os
brancos. Fui pessoalmente saber
por quê. Eu falo na cara, não fico
escondido no boteco. Não tenho
medo, porque não tenho telhado
de vidro. Não sei botar a bunda de
fora para gravar disco. Não gravo,
mas também não faço. Se a imprensa não tem coragem, não publique. O que não admito mais é
calúnia e difamação. Porque para
mim é muito fácil enfiar porrada.
Folha - Porrada?
Simonal - É, porrada física. Me
encheu o saco, bato ou mando bater. Ou não tenho condições de
mandar bater?
Folha - Essa foi uma das acusações, de que você havia batido ou
mandado bater no contador.
Simonal - Não mandei bater em
ninguém. O cara me roubou, tinha
que tomar porrada mesmo. Aliás,
cometi o erro de não mandar bater. Evidentemente não mandei.
Nunca vi atestado do delito. Quando fomos depor, não vi cicatriz.
Folha - Você é um injustiçado?
Simonal - Sou um injustiçado. O
Brasil me deve. Me deve respeito.
Nunca me respeitaram como cidadão. Não é o povo, são as
autoridades que têm
uma dívida moral comigo. Sou o único cara que
foi exilado em casa, não
precisei ir para a Inglaterra.
Folha - Sua própria
classe o exilou, não?
Simonal - Não acredito. Um ou outro artista
não gosta de mim, é
normal. Se alguém quer
me chamar para um
programa, a produção
não me acha. É a coisa
mais fácil do mundo,
mas não acha porque
não quer. Fui gravar o
"Casa da Bossa", ia cantar com uma cantora
baiana. Ela não quis, arrumaram outra. A outra
também não quis. Aí
gravei com Sandra de
Sá. Exatamente na hora,
o som pifou. Coincidência? Aí teve um show, a
Sandra não foi mais.
Cantei sozinho. No programa da Hebe Camargo a Sandra não foi, tive
que dublar a minha parte e cantar a dela. Não
sei se são elas, desconfio
que não. São ordens não
sei de quem. O cantor
tem que obedecer.
Folha - A esquerda foi
injusta em odiar você?
Simonal - Era a esquerda festiva,
que hoje está toda morando nos
EUA. Luiz Carlos Prestes não era
esquerda festiva. Ele assistiu a meu
show, subiu ao palco, fotografamos, sabia? Foi em 79, 80. Eu não
gravei Geraldo Vandré? Gravei.
Folha - Você era contrário ou favorável ao regime militar?
Simonal - Todo mundo era contra. Aquilo durou muito tempo
por incompetência. Não acredito
que nenhum milico fosse favorável. Milico não foi treinado para isso. Não sou PT, mas se o Lula for
presidente é "excelência". Direita e
esquerda é coisa de militar. Hoje,
apesar da ditadura civil que há por
aí, até nos programas de pagode
todo mundo faz ginástica calistênica, todo mundo marcha. Só falta
colocar farda. Me picharam porque eu era nacionalista. Sou brasileiro, quero ver meu povo feliz.
Folha - Em quem você vota?
Simonal - Fernando Henrique
Cardoso. Nas duas eleições. Da outra vez, acho que estava fora do
Brasil. Provavelmente votaria no
Collor. Depois iria tomar um porre
daqueles, de infelicidade.
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